Título: O Retorno Autora: Claudia Modell Sinopse: Mulder sai em busca de um zumbi, e Scully não acredita nele. Mas vai ter que acreditar se não quiser perdê-lo E-mail: claudia@subsolo.org Categoria: Drama Homepage: http://subsolo.org Disclaimer: Os personagens dessa história foram criados por Chris Carter, 1013 e Fox Company. O Retorno Há um livro em cima da mesa. O livro está fechado e aparentemente já foi lido muitas e muitas vezes. Mas a poeira em cima dele e da mesa mostra que ninguém o lê há muito tempo. Há somente duas cadeiras empoeiradas em volta da mesa. A sala está escura. As janelas fechadas. Das frestas entra a luz do sol, insuficiente para iluminar toda a sala. Mas os riscos de luz criam sombras no pequeno ambiente. Sombras de parte da mesa e das cadeiras. Sombras tão estáticas quanto os objetos que refletem. Nada se move na sala, a não ser os minúsculos grãos de poeira que pairam eternamente no ar e brilham de encontro à luz do sol. Parecem dançar há anos, sem jamais descer para o chão. Se algum dia forem vencidos pela gravidade irão se juntar a outros milhares de flocos de poeira que repousam no chão de madeira ressequida. Ou ao menos assim esperavam os ácaros que vivem no mar de pó. A calma mortal do ambiente é perturbada por um barulho vindo do lado de fora. Um leve tremor vai se tornando cada vez mais intenso e ritmado. Até que, finalmente, a porta se abre, com um estrondo, e a luz, antes presa do lado de fora, agora inunda todos os vãos da pequena sala. As sombras são expulsas de seu repouso e o vento invade o aposento, deslocando violentamente a poeira da mesa e do livro. Junto com o vento e o sol entra um homem, e, sem cerimônia, ele marca o chão empoeirado com seus sapatos molhados. A calma deixa de existir, dando lugar à ruídos e movimentos que não são presenciados há muito tempo. Para o intruso, no entanto, sua entrada significa a própria sobrevivência. Ao entrar o homem fecha a porta e se deita no chão. A escuridão retorna ao local e a poeira começa a assentar. O homem fecha os olhos e se deixa levar pela escuridão. Sente seu corpo quente e molhado pelo sangue, que agora escorre pelo chão, se entranhando nas frestas da madeira gasta. Mas a dor que o homem sente o impede de se importar com qualquer coisa. Cada tentativa de respirar mais profundamente é impedida pela dor lancinante. A cada vez que tenta focalizar sua mente no que ocorreu, seu corpo treme. O suor desce de sua fronte e embaça sua visão. Sua boca está seca e é difícil para ele até mesmo gemer de dor. Finalmente Fox Mulder desiste de lutar e, mesmo sabendo que poderá jamais acordar, mergulha na escuridão. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx Ao mesmo tempo que Mulder encontrava refúgio na velha cabana, Dana Scully se embrenhava pela mata à procura dele. A umidade, por vezes, a deixava sem fôlego. O chão lamacento a fazia escorregar, quando não prendia seus pés, fazendo com que ela perdesse o equilíbrio. A luz do dia passava timidamente pelos galhos das árvores, e a cor alaranjada que iluminava seu rosto informava que o dia estava acabando. O frio e a umidade a fariam desistir da busca, eventualmente. Mas duas coisas a empurravam para frente. Achar Mulder e fugir do homem que o havia ferido. Scully corria e tentava não pensar no agressor. Os olhos vermelhos, a pele pálida e ressecada, o andar lento e determinado e o fato de que ela o havia declarado como morto horas antes, a faziam lembrar de velhos filmes de terror. Por mais que soubesse que zumbis não existiam, Scully não podia deixar de pensar que havia algo de sobrenatural na situação. Antes que se desse conta a noite dominou a floresta, trazendo consigo os ruídos que lhe eram peculiares e que já dominavam todos os recantos da mata. Cada som a sobressaltava e os galhos das árvores, ao prenderem acidentalmente suas roupas, a faziam pensar que o assassino a havia alcançado. Suas pernas doíam pelo esforço extremo e sua respiração estava ofegante, lançando grossas nuvens de vapor na noite fria. Ela já havia perdido seu senso de direção. Seus pés encharcados dentro do tênis estavam adormecidos. Ela sentia o vento frio ferindo seu rosto e se perguntava se conseguiria sair viva da floresta. Ao tropeçar em um galho, Scully sentiu todo o peso do chão vindo ao seu encontro. Por segundos foi invadida pela raiva. Raiva por se sentir indefesa, por não poder gritar, por desejar estar em outro lugar. E raiva, principalmente, por somente desejar que Mulder estivesse por perto para ajudá-la. Ela não tinha forças para continuar fugindo. A única coisa que queria fazer era achar um lugar quente e seco para descansar. Um estrondo irrompeu na noite. Um trovão anunciava que o tormento estava apenas começando. Scully olhou para o céu escuro. O clarão de um raio iluminou a noite e Scully pôde ver as enormes nuvens no céu. Ela não tinha para onde ir, onde se abrigar da chuva que já começava a cair. Mesmo quando a chuva engrossou, Scully continuou deitada onde estava, com o rosto recebendo a água gelada da chuva. O cansaço já não lhe deixava se importar tanto com isso. E ela adormeceu. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx 2 dias antes "Zumbi!" Scully nem ao menos se deu ao trabalho de olhar para seu parceiro. Mulder tinha sempre alguma teoria bizarra para os casos que investigavam. O presente caso não seria diferente. Intimamente, no entanto, Scully não podia deixar de sorrir ao ouvir quem seria o culpado pelas mortes ocorridas na pequena cidade. A única coisa realmente estranha deste caso, no entanto, era o fato de que uma das vítimas que conseguiu escapar ao ataque, disse que o assassino era o Sr. Brown, que havia sido assassinado dias antes. Mulder adorou esse relato e passou horas convencendo sua parceira a investigar os assassinatos, o que finalmente conseguiu. Agora, lá estavam eles, em uma cidadezinha agradável, almoçando em um pequeno e confortável restaurante, discutindo a possibilidade de um assassinato cometido por um zumbi. Na verdade, eles não estavam discutindo. Mulder simplesmente anunciou sua tese e quando Scully retrucou, explicando a impossibilidade do que ele dizia, Mulder simplesmente olhou para ela, virando os olhos como se fosse ela que estivesse apresentando uma teoria absurda. Como sempre, na verdade. Scully ainda não entendia porque continuava a tentar fazê-lo mudar de idéia. Ás vezes era desgastante passar horas explicando porque vampiros e lobisomens não existiam somente para ver, ao final, aquela expressão que agora se desenhava no rosto dele. De qualquer maneira, havia um crime a ser investigado e seja qual fosse a teoria, eles, ao final, encontrariam o culpado. Após comerem, Mulder e Scully foram conversar com o Xerife para se inteirarem de todos os aspectos do caso. "Bem, não sei porque chamaram o FBI para esse caso, na verdade. Mas já que estão aqui não vejo porque não ajudá-los. O Sr. Brown foi assassinado a facadas há alguns dias. Antes dele, um rapaz Larry Bernard morreu da mesma forma. E então houve a tentativa de assassinato. A vítima disse Ter visto claramente o Sr. Brown." "Xerife, pode nos dizer onde encontrar a última vítima?" "Claro. O nome dele é Arthur Rosemberg. Ele está no hospital, se recuperando dos ferimentos." Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx A enorme construção que abrigava o hospital, contrastava totalmente da pequena cidade onde se encontrava. Scully imaginou que para ocupar todos os leitos seria necessária uma epidemia que atingisse ao menos dez cidades. Assim que entraram no hospital, Scully notou que estava certa. O hospital era um desperdício de espaço. Após pedirem para verem o Sr. Rosemberg, uma enfermeira os levou a uma das enormes enfermarias. O Sr. Rosemberg estava, naquele momento, discutindo com o médico que o atendia. "Eu não quero saber! Já devia ter saído desse hospital. Me disseram que eu estava bem!" "Sr. Rosemberg, infelizmente seu estado ainda inspira cuidados." O paciente, um homem de não mais que quarenta anos, parecia não estar tão bem quanto pretendia. Scully notou que ele estava muito pálido, seus olhos bastante vermelhos. Mulder também notara a aparência do Sr. Rosemberg, já que se inclinou para Scully e fez um comentário. "Ele agora é o zumbi." Scully poderia viver cem anos e não iria jamais deixar de se surpreender com seu parceiro. Não era somente o fato de que ele sempre tinha uma teoria louca, nem mesmo o fato de que não desistia de suas teorias absurdas mesmo que estivessem em clara afronta a todas as leis naturais. O que mais a impressionava era a naturalidade com que ele afirmava suas crenças. Parecia que era ela que estava desinformada e ele estava somente lhe fazendo o favor de deixá-la atualizada sobre os fatos. Scully ignorou o comentário e dirigiu-se ao Sr. Rosemberg. "Senhor eu sou a Agente Scully e esse é o Agente Mulder, do FBI. Gostaríamos de fazer algumas perguntas." "O que querem saber? Não importa o que eu diga vocês não irão acreditar em mim!" Mulder podia entender como o homem se sentia. Tentar convencer as pessoas sobre o que acreditava era um trabalho árduo. Ele tinha essa experiência quase todos os dias, mas agradecia que seu parceira estava sempre disposta a ouvi-lo, mesmo sem concordar com ele. E ela nunca concordava com ele. E, mais uma vez, ela não concordaria. Afinal ele estava convencido de que o homem que atacou Rosemberg, o Sr. Brown, era agora um zumbi. "A Volta dos Mortos Vivos? Mulder! Esse filme é engraçado de tão ridículo!" Scully tinha sido categórica em sua afirmação e Mulder até concordava com ela. O filme era realmente divertido. "Scully, olhe. Você é médica e você concorda que toda a doença tem sintomas externos certo?" "Certo." Scully queria saber até onde Mulder iria. "Ok, se eu disser que alguém está muito pálido, a temperatura do corpo muito baixa, a pulsação quase imperceptível, o que você acha que pode ser?" "Pode ser devido a muitos fatores, Mulder. Alguma doença, choque, perda de sangue." "Ok, e se eu disser que uma pessoa não tem pulso, não respira, está pálida e gelada, o que pode ser?" "Bom, eu diria que a pessoa está morta, obviamente." "Então você diz que a doença dela se chama morte?" Scully realmente não entendia onde ele queria chegar, mas resolveu deixá-lo continuar. "Sim, Mulder. Morte, Ok!" "Scully, voltando à vítima de choque, ou perda de sangue. Você concorda que existem diversos estágios da doença? Que a pessoa pode ir ficando cada vez mais fraca pela perda de sangue por exemplo?" "Concordo." "Então você não acha que pode haver diferentes estágios para a morte?" "Está querendo dizer que alguém pode estar mais ou menos morto?" "Não. Estou querendo dizer que a morte tem diversos sintomas e talvez o Sr. Brown somente não tenha apresentado todos eles. E nem Rosemberg." "Mulder, eu sei que a pressão do Sr. Rosemberg é muito baixa, que sua temperatura está abaixo do normal e que a pulsação é lenta. E que talvez ele morra. Mas ele não está morto!" "Bem, eu acho que ele tem uma espécie de morte e é contagiosa." "Mulder, dessa vez você se superou. Nunca, em cinco anos, ouvi uma teoria tão absurda!" "Ok, vamos fazer o seguinte. Vamos voltar ao hospital amanhã e você poderá examinar o nosso zumbi." "Mulder, se ele se mexer eu não faço a autópsia." "Eu sei disso, me lembro de Leonard Betts." "Aquilo foi outra coisa...Mulder, chega! Eu vou dormir. Amanhã veremos isso." Scully, no entanto, demorou para conseguir dormir. Mulder às vezes a preocupava. Tipos diferentes de morte! Era só o que faltava. Bem, existem tipos diferentes de morte, mas os sintomas eram sempre os mesmos. Falta de pulso e respiração, rigidez cadavérica e, enfim, decomposição. Mas não eram sintomas de alguma doença, eram sinais da própria morte. No dia seguinte, no entanto, Scully ficou sem palavras ao examinar o Sr. Rosemberg. Lá estava um homem que, se estivesse de olhos fechados e parado teria servido como objeto de autópsia para qualquer faculdade de medicina. De fato, ele não respirava, estava gelado, sem pulsação, sua pele ressecada e a carne dura como mármore. Scully tirou novamente o pulso somente para confirmar que ele não tinha qualquer batimento cardíaco. O homem parecia estar em grande sofrimento. Mas não gemia, ou falava. Scully já esperava que ele, a qualquer momento, se lançasse sobre ela gritando "Cérebro!" Esse pensamento quase lhe causou risos, mas ela se conteve. Mulder a acompanhou quando ela deixou a enfermaria. "Então, Scully, o que acha?" "Bem, ele apresenta todos os sinais de alguém que já morreu, Mulder. Mas eu não sei explicar isso!" "Nem todos os sinais. Ele não perdeu a consciência. Somente isso o difere de um cadáver no necrotério." "Mulder, isso é uma loucura. Eu não sei o que dizer, não sei como explicar isso." "Você está se repetindo." Scully sabia que estava sendo incoerente, mas a situação era absurda. Para os médicos que atendiam o quase-morto a coisa toda não era menos estranha. Eles não sabiam o que dizer ou fazer. Mulder e Scully deixaram o hospital. Mulder estava esperando que Scully, finalmente, concordasse com ele, mas isso seria demais para ela. Scully jamais admitiria que zumbis pudessem existir. Mal havia atravessado a rua e chegado ao carro, quando ouviram a enfermeira chamá-los. "Agentes! O Sr. Rosemberg acaba de fugir. Ele pulou a janela." Scully não podia acreditar. Para ela já era um absurdo que o homem estivesse consciente. Sair da cama e pular a janela eram coisas impensáveis para alguém nas condições dele. "Para onde ele foi?" "Em direção à mata, atrás do hospital." "Vamos Scully." Mulder também achava a situação fora do comum, até mesmo para seus padrões. Perseguir um morto na floresta era estranho. Mas ele jamais poderia deixá-lo fugir. Afinal como colocaria em um relatório que havia sido despistado por um cadáver? Os dois entraram na floresta e nem se deram conta de que não estavam preparados para isso. Bem, ao menos estavam usando roupas esportivas. Seguir as pegadas do fugitivo era fácil. A lama reinava por toda a floresta, deixando claras as marcas da passagem do quase-morto, como Scully, secretamente, o chamava. Já haviam percorrido quase um quilômetro quando se depararam com o Sr. Rosemberg. Sua face lívida, seus olhos ejetados e a total ausência de expressão em seu rosto, causavam arrepios nos agentes. Mulder se aproximou do homem. Ele não parecia estar armado e Mulder achou que poderia conversar com ele. "Sr. Rosemberg, logo vai escurecer. O senhor precisa voltar ao hospital." O homem, no entanto, não estava disposto a voltar para o hospital. Sem qualquer aviso saltou para cima de Mulder e depois saiu correndo. Scully demorou alguns segundos para perceber que seu parceiro estava ferido. O homem o havia atacado com um caco de vidro. Scully examinou seu parceiro e verificou que o ferimento havia sido profundo, um pouco abaixo do coração. Ele precisava ir para um hospital. Mas Scully não podia deixar Mulder sozinho ali. Ela tinha que encontrar o agressor e, somente então, poderia salvar Mulder. Ou então poderia tentar sair com ele da floresta. Scully escutou um barulho vindo da mata e decidiu tentar achar Rosemberg. Estava armada e sabia que podia dominá-lo, pois as condições de saúde dele não era das melhores. Ela seguiu as pegadas dele por alguns metros, mas, não tendo conseguido encontrá-lo, resolveu voltar e levar Mulder para o hospital, enquanto ele ainda podia caminhar. Mas, ao chegar no local onde ele deveria estar, Scully teve uma surpresa. Mulder havia desaparecido. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx Mulder jamais poderia imaginar que aquele homem pudesse ser tão ágil. Afinal ele deveria estar sofrendo de rigidez cadavérica. E, pelo menos no filme, os zumbis eram bastante lentos. Mais um mito derrubado. O zumbi não somente podia se mover com rapidez como também tinha uma arma. Mulder sentiu seu peito sendo perfurado. A dor que sentiu se irradiou por todo o tórax. Viu Scully correndo em sua direção e caiu lentamente no chão. Quando abriu os olhos novamente, se viu sozinho na floresta. Não sabia se Scully tinha ido perseguir o zumbi ou se ele havia conseguido capturá-la. Qualquer que fosse a opção ele não podia ficar ali, parado. Tinha que achá-la. Se levantou com dificuldade, a respiração difícil, a dor aumentando cada vez mais, como se isso fosse possível. Mulder se esforçava em manter- se acordado. Precisava achar Scully, mas não tinha idéia de qual direção deveria seguir. Após caminhar um pouco, Mulder se viu face a face com seu agressor. E, não pela primeira vez, Mulder se deixou levar pelas próprias crenças. Deixando de lado o bom senso ele simplesmente correu, duvidando que sua arma pudesse fazer algum mal a quem já estava morto. Mulder começou a correr, sem saber para onde ira, sem saber onde Scully estava. Mas o que o deixava mais tranqüilo em relação a ela, era que enquanto o homem o perseguia ela estava a salvo e em melhores condições para encontrá-lo. Mulder estava quase perdendo as esperanças de escapar, quando percebeu que o zumbi não mais o seguia. Logo em seguida ele viu uma cabana. As coisas estavam melhorando. Mas, mesmo encontrando refúgio, sua situação era delicada. Ele estava sangrando muito, e a noite estava chegando. As possibilidades de Scully encontrá-lo eram cada vez mais remotas. Mulder entrou na cabana vazia e se deitou. Sentia dores terríveis e estava exausto. Em seguida adormeceu. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx Scully não sabia para onde Mulder poderia ter ido. As marcas de sangue não eram suficientes para servir de pista. Scully tinha a impressão de que o agressor estava atrás dela. A noite iria cair em breve e ela precisava achar Mulder antes disso. O frio e o ferimento o matariam antes do amanhecer. Mas Scully, cada vez mais dentro da floresta, já não tinha qualquer pista a seguir. O chão molhado, que antes a havia auxiliado nas buscas, agora eram seu maior impecilho. Quando, finalmente, anoiteceu, Scully se viu sozinha, no meio da floresta, e de baixo de uma chuva torrencial. Sem mais forças para continuar, adormeceu. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx Há um homem deitado no chão. Ele parece cansado e ferido. Ainda respira, apesar do sangue que sai de sua boca. O chão está cheio de sangue. A sala está escura. As janelas continuam fechadas. Das frestas entra a luz do sol, insuficiente para iluminar a sala e o homem no chão. Mas os riscos de luz fazem o sangue, no chão, brilhar. Nada se move no ambiente. O único som que se ouve é a respiração ofegante do homem ferido. A atmosfera mortal da sala é perturbada por um barulho vindo de fora. Ao mesmo tempo que o tremor vai aumentando de intensidade, a respiração do homem vai se tornando mais fraca. Até que, finalmente, a porta se abre, e a luz do sol, antes presa do lado de fora, invade a sala, iluminando a figura inerte do homem. Junto com o vento e o sol, entra uma mulher e, sem cerimônia, ela arranca o homem das garras da morte. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx Dana Scully havia acordado antes do amanhecer. Na verdade ela houvera desmaiado mais do que dormido. Precisava encontrar Mulder e a luz da manhã a ajudaria. Scully viu a cabana e correu naquela direção. Com certeza alguém morava ali e provavelmente ela encontraria um rádio. Quando Scully abriu a porta da cabana não esperava encontrar Mulder estendido no chão. Ela correu em direção a ele. Mulder não estava respirando. Scully checou seu pulso e entrou em pânico. O coração de Mulder não batia. Iniciou os procedimentos de ressuscitação. Quando já estava perdendo as esperanças, Mulder voltou a respirar. A respiração era muito fraca. O sangue no chão mostrava que ele estava em perigo. Ela precisava tirá- lo dali e levá-lo a um hospital. Mas sair da mata, carregando Mulder era algo impensável. Scully vasculhou a velha cabana em busca de um rádio ou telefone. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx Mulder abriu os olhos, esperando encontrar Scully a seu lado. Mas ela não estava lá. Mulder não sabia onde estava. Não era um hospital, nem mesmo era a cabana. Ele não sentia nada. Nem dor, ou frio, que haviam sido as últimas sensações que havia experimentado antes de desmaiar. Ele se lembrou dos acontecimentos, mas não tinha idéia de quanto tempo havia se passado. A escuridão o envolvia e o silêncio era total. Mulder tinha a impressão de que já havia morrido. Mas como isso nunca havia acontecido ele não podia ter certeza. A escuridão começou a se dissipar e ele pôde começar a ver alguns objetos. Uma mesa, duas cadeiras. A luz surgia por debaixo da porta. Já devia ser noite. Essa era a explicação para tão pouca luz, mas ele não entendia, ainda, porque não sentia nada. Estava ferido e sabia que devia, ao menos, estar sentindo dor. Mulder tentou se levantar, mas algo o impedia. Era como se ele estivesse preso a si mesmo. Mas havia aberto os olhos, ou não? Talvez ainda estivesse de olhos fechados. Mas como estava vendo a mesa e as cadeiras? Provavelmente era somente a sua imaginação. Mulder começou a pensar seriamente na possibilidade de estar morto. O zumbi o havia atacado e ele, com certeza, havia se tornado um zumbi também. A única coisa que o mantinha longe da morte era a sua consciência. Scully, certamente, notaria que ele ainda estava vivo, ou não? Esse pensamento o fez tremer. A idéia de ser enterrado vivo o apavorava. Ele podia imaginar a si próprio, preso em um caixão, sem poder alertar ninguém que ele estava lá, vivo, respirando. O problema era realmente saber que não havia saída e que ficaria sozinho com seus próprios pensamentos, sabendo que, em breve, morreria. Bem, por enquanto ele sentia que ainda estava na cabana, e isso o fazia se sentir mais seguro. Mas ainda restava o problema de tentar manter- se consciente. Se ele perdesse a consciência estaria morto, de fato. Manter sua mente ocupada era, normalmente, simples, mas agora, sob pressão, Mulder não conseguia pensar em nada. Tentou lembrar-se do dia que Samantha havia sido levada. Essa era uma lembrança permanente em sua memória. Ele se lembrava daquele dia nos mínimos detalhes. Lembrava o que eles estavam assistindo na TV. O jogo no chão. E depois a luz que a levou. Mas o que ele jamais tinha se lembrado, de repente lhe veio a mente. A chegada de seus pais após o fato. A falta dessas lembranças tinha ajudado na crença de que, na verdade, seus pais não haviam, de fato, saído de casa. Mas, agora, a lembrança era tão vívida que ele não podia duvidar. Era como se ele tivesse sido transportado no tempo para o momento posterior à abdução de sua irmã. E lá estavam, novamente, seus pais entrando em casa. E lá estava ele chorando, tentando dizer o que havia ocorrido, mas mal conseguindo se expressar. Mulder lembrou-se do tapa que recebera do pai. Ouviu sua mãe chorando, pedindo para que seu pai parasse. Ele se viu, criança, deitado no chão, as lágrimas escorrendo pelo rosto que queimava devido ao tapa, as lágrimas escorrendo pelo rosto que queimava devido ao tapa. A dor não era somente física. A culpa tinha se instalado naquele momento, pela mão de seu pai. E a vergonha, por não ter feito o que se esperava dele, ou seja, cuidar de sua irmã menor. Ele havia carregado essa culpa durante todos esses anos, e achara que a culpa vinha daquele incidente, mas agora, lembrando-se daquela noite, Mulder percebeu que antes mesmo de sua irmã ser levada, ele já tinha sobre si mesmo o fardo da culpa. Era o olhar de seu pai, sempre em reprovação, que o fazia sentir como se jamais conseguisse alcançar as expectativas. E ele jamais o tinha feito. Quando Samantha havia, supostamente, reaparecido, não foi por suas mãos. Ela, simplesmente, aparecera na casa de sua mãe. Mulder se sentiu mal na ocasião, afinal havia lutado durante anos para reencontrá-la, e quando isso finalmente acontecera, ele não havia sido o responsável. Mas, ao contrário, ele era o único culpado por perdê- la novamente. Não importava que não fosse a verdadeira Samantha. O que importava era que, em um momento de crise ele a havia deixado morrer. Ao menos para os olhos de seu pai havia ocorrido desta forma. E seu pai havia morrido tendo aquela visão dele. A visão do filho que nunca havia seguido o caminho que seu pai pretendia para ele. Nada do que fizesse, a partir da morte de seu pai, iria modificar esse fato. Não bastasse isso, ainda havia todo o mal que sua busca por Samantha havia causado. Não somente para Scully, como também a diversas outras pessoas que o haviam ajudado e pago caro por isso. Mas era em relação a Scully que seu sentimento de culpa aumentava. Ela havia perdido a irmão, quase havia morrido, não somente uma vez. Mulder não estava se sentindo melhor tendo essas lembranças. Definitivamente ficar preso com seus próprios pensamentos era algo bastante desagradável. Ele supôs que talvez o mesmo ocorresse com todos, mas ele duvidava que Scully pudesse ter os mesmos sentimentos que ele tinha, a mesma culpa que ele carregava. Mesmo que ela achasse que podia ter evitado a morte de Melissa, ainda restava o fato de que havia sido por causa dele que ela tinha se colocado naquela situação. Droga, ser um zumbi não era nada interessante. Mulder queria se mover, falar, fazer qualquer coisa. Mas não conseguia nem ao menos sentir seu próprio coração batendo. Ele somente gostaria que Scully não fosse cética nesse momento. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx Scully estava, no entanto, longe de pensar que Mulder estava morto. Mas ao mesmo tempo ela estava bastante receosa quanto à vida dele. A pressão estava muito baixa. O ritmo cardíaco era quase inexistente. Seu corpo estava gelado e as pupilas não respondiam à luz. No entanto, mesmo imperceptível, ainda havia batimento cardíaco. A respiração era tão leve que parecia insuficiente para mantê-lo vivo. Ela não podia entender como ele ainda estava vivo. O frio não tinha sido suficiente para criar um estado de hipotermia. A perda de sangue não tinha sido tão grande. Mas ele estava vivo e lá estava ela com mais um caso estranho, para o qual não tinha explicação. As palavras de Mulder, quanto à existência de zumbis, ainda ecoavam em sua mente. Ela não acreditava nessa possibilidade, mas estava levando em conta o que Mulder acreditava, já que não pretendia enterrar seu parceiro vivo. Scully não tinha muito o que fazer. Ir atrás de ajuda estava fora de cogitação, já que não poderia carregar Mulder consigo, nem deixá-lo para trás naquelas condições. O que podia fazer era esperar que alguma equipe de busca os encontrasse. Enquanto esperava, Scully cuidava de seu, excepcionalmente silencioso, parceiro. Era tão raro ter Mulder tão quieto a seu lado. Vê-lo dormir era mais raro ainda. Mas naquelas condições isso era bastante desagradável. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx O Xerife Elderton não estava gostando da idéia de ter um paciente do hospital solto no meio da floresta, mas o que piorava mais a situação era saber que haviam dois agentes do FBI atrás dele, o que, para o Xerife, era o mesmo que ter três pessoas perdidas na mata. As buscas, iniciadas no fim da tarde, tiveram que ser interrompidas ao cair da noite, devido ao mau tempo. Assim, que amanheceu o Xerife e sua equipe retomaram as buscas. Não demoraram muito para encontrar o corpo sem vida do Sr. Rosemberg. Pelo estado de decomposição ele parecia já ter morrido há dias. Mas ainda tinha que encontrar os dois agentes. Havia uma possibilidade bem maior deles estarem vivos, mas tinham que ser encontrados rapidamente. Uma outra noite fria e chuvosa poderia ser fatal para ambos. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx Mulder estava certo de que havia perdido a consciência. Isso o aterrorizou. Agora, ao acordar, não tinha mais certeza de onde estava. Talvez estivesse em seu próprio funeral. Ou pior, talvez estivesse sofrendo uma autópsia. Imaginou-se no lugar de todos os cadáveres que havia visto Scully retalhar. Era melhor não usar essa expressão, se pretendia manter sua mente sã. Mas se isso fosse verdade não sobraria um corpo utilizável por sua mente, sã ou não. Mulder tentou gritar. Tentou abrir seus olhos. Mas não conseguia nem ao menos emitir um som. Ele estava se sentindo cada vez mais sozinho e esse sentimento estava se tornando maior do que o medo de morrer. Ele tentou não pensar em mais nada. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx Scully havia conseguido preparar uma espécie de maca com a mesa, e estava se preparando para levar Mulder de volta. Não era mais possível esperar. O estado dele havia piorado, se é que isso era possível. Os latidos foram o primeiro sinal de que a ajuda estava chegando. Scully correu para fora da cabana para chamar a atenção de quem quer que fosse. Teve sorte. Os cachorros logo a alcançaram trazendo com eles a equipe de resgate. Mulder foi levado para o hospital com a máxima rapidez. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx Mulder não ouvia qualquer som, e não nada também. Mas começou a sentir um frio intenso. Ele achou que, de alguma forma, havia acordado. Já não estava tão preocupado com a possibilidade de ser enterrado vivo, afinal agora já podia sentir frio e isso significava que seu corpo estava reagindo ao ambiente. Scully perceberia esses sinais apenas olhando para ele. O frio estava se tornando mais intenso. Seu corpo todo parecia estar congelado e o mais estranho era que ele sequer tremia. À medida que o tempo passava ele sentia o frio de seu corpo ficar maior do que o do ambiente. Era uma sensação estranha. Ainda não movia um único músculo e não tinha certeza de que respirava. Novamente se convenceu de que, se perdesse a consciência, estaria morto. E já não estava tão seguro de que Scully perceberia isso. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx Quando Scully entrou com Mulder no hospital, alegando que ele precisava de cuidados médicos urgentes, o médico de plantão a olhou com um ar de pena. Era claro que Mulder estava morto e sua colega parecia não aceitar esse fato. Mas ele faria o que ela estava pedindo. Os exames realizados no corpo somente confirmavam o que ele havia notado tão claramente. As pupilas estavam fixas, a temperatura era muito baixa, e ele não respirava. Ele estava realmente morto. Mas Dana Scully exigiu bem mais do que um exame superficial. Ela queria que Mulder fosse colocado em uma câmara hiperbárica, só Deus sabe com que intenção. Mas o médico de plantão não tinha como discutir com uma agente do FBI que ainda por cima era médica. Scully tinha uma idéia clara do que estava fazendo, a despeito do que poderia pensar o jovem médico a seu lado. Ela imaginava que, de alguma forma, Mulder havia perdido a capacidade de manter seu corpo em uma temperatura normal. Ele estava sofrendo de hipotermia, mas que não era causada por elementos externos e sim pelo seu próprio corpo. O que ela podia fazer era alimentar o corpo de oxigênio puro, e tentar descobrir como reverter o processo. De alguma forma Mulder estava certo. Ele estava fisicamente morto e sua consciência era a única coisa que o mantinha vivo. Se ele perdesse isso seria considerado morto. Scully não estava disposta a deixar isso acontecer. Após algumas horas na câmara hiperbárica o corpo de Mulder parecia ter esquentado um pouco, mas a diferença era mínima. O eletroencefalograma não mostrava variações visíveis, mas bastava uma análise um pouco mais acurada para notar pequenas oscilações. Para os médicos presentes significavam somente variações devidas ao ambiente. Mas os testes toxicológicos pedidos por ela, deixaram os médicos menos céticos. As células estavam vivas, mas em estado de suspensão. Restava, agora, descobrir o que havia induzido Mulder àquele estado. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx Mulder estava cada vez mais desesperado. Sentia seu corpo como se estivesse congelado e já estava se acostumando a essa sensação quando começou a sentir agulhadas por todo o corpo. Já começava a acreditar que o inferno, de fato, existia, e que ele havia sido mandado, merecidamente, para lá. Com certeza estava pagando por todos os seus pecados. A morte era realmente uma coisa terrível. Nada de túneis com uma luz a ser seguida. Nada de anjos tocando harpa ou o demônio em um caldeirão. A morte era bastante simples. Ele já sentia seu corpo esfriar e lentamente entrar em decomposição. Sentia cada célula dando seu último grito e apodrecendo. E a última coisa que sentiria seria seu cérebro se apagando e depois mais nada. Bem, pelo menos ele não teria que carregar esse trauma pela eternidade afora. E que trauma! A idéia de insetos minúsculos corroendo seu corpo em decomposição enquanto ele sentia cada diminuta mordida o deixava louco. E nem mesmo Scully seria capaz de frear o pequeno exército. Pensar nesse assunto somente estava piorando sua situação. Bem, se ele fosse cremado isso não seria tão terrível. Não, Mulder estava se enganando. Seu medo do fogo o enlouqueceria assim que ele visse ou sentisse a aproximação das chamas. Mas ele não precisava se preocupar quanto a isso. Scully sabia de sua fobia e jamais iria permitir uma cremação. Não sem antes realizar uma autópsia. Deus, se ela fizesse uma autópsia nele, ele morreria. Não. Ele morreria mais do que já havia morrido. A faca gelada cortando seu peito, as mãos do legista, que ele esperava não fosse Scully, arrancando seus órgãos um a um. O som de seu pulmão ou coração sendo colocado em uma balança e a voz do legista anunciando peso e textura. Quanto pesaria seu coração? Como era possível que uma vida inteira, de angústias, alegrias, lembranças e muito mais, pudesse ser reduzida à análise de peso e textura de órgãos? E como era permitido, neste vasto universo, repleto de leis lógicas e matemáticas, que um ser humano, que havia passado a vida pensando, criando, sofrendo e amando, pudesse, ao final, ser condenado a ver e sentir seu próprio corpo se consumindo, para, enfim, perder sua consciência e desaparecer no nada? Tudo isso parecia tão injusto. Insensato até. Mulder queria ter a crença que Scully tinha em Deus. Seria mais simples apenas rezar e esperar que Deus levasse sua alma. Será que alguém que acreditava em Deus tinha um destino diferente de quem não acreditava? Será que era aí que residia a recompensa pela fé? Se era assim Mulder optaria nesse momento por acreditar em Deus, em qualquer Deus. Se não fosse tarde demais, é claro. Mas talvez Deus não aceitasse essa mudança de lado no último momento. Mas o fato de já pensar em Deus não seria suficiente? Mesmo que ele discordasse das decisões Dele. E, agora, ele realmente discordava. Não era somente o fato de toda a indiscutível injustiça que estava sofrendo, mas também o fato de que Mulder não tinha armas para lutar contra isso. Ele havia sempre lutado contra as injustiças, até mesmo em detrimento de sua saúde, reputação e vida. Mas contra essa última injustiça não havia luta possível. O vazio o esperava e tudo o que ele havia sido iria perder seu significado. Na verdade o vazio não somente iria abraçar seu corpo mas também sua alma. De nada adiantava se opor a isso. Mulder estava tão distraído, absorto nesses pensamentos, rebelando- se contra o caos do universo que havia se esquecido completamente de sua real situação corpórea. De fato, ele já não sentia tanto o frio quanto antes, e as agulhadas que sentira já haviam desaparecido. Ele poderia até dizer que estava se sentindo muito confortável, se somente ele tivesse percebido isso. Ao invés, o máximo que ele conseguia pensar era nesse fim ingrato. Nem mesmo pensar em Scully o ajudava. Na verdade ele estava convicto que ela, quando morresse, iria para um local agradável, e ele, deixando de existir, também desapareceria da memória dela, se tornando uma lembrança longínqua, quase uma sensação de deja-vu. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx Scully, no entanto, tinha toda a sua atenção focalizada em seu parceiro. Não haviam descoberto o que havia causado o estado em que ele se encontrava, mas o tratamento a que vinha se submetendo, aparentemente, vinha dando resultados. A temperatura estava se aproximando do normal, a respiração ainda era fraca mas já era perceptível. O pulso também era fraco, mas estável. Ela e os médicos já tinham certeza da recuperação dele. Era somente uma questão de tempo. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx Ela entrou na enorme sala. Suas centenas de olhos viam centenas de pessoas sentadas em centenas de cadeiras. Ela seguiu voando tranqüilamente pelo longo corredor multicolorido. Avistou as centenas de portas à sua frente e, por um milagre sequer racionalizado por ela, entrou no quarto sem esbarrar nas portas. Haviam centenas de pessoas em centenas de camas. Nada de interessante. Ela voou até o teto e ficou lá em cima, olhando as figuras desinteressantes nas camas coloridas. Mulder abriu os olhos, incerto se sequer havia feito isso. Tudo estava branco. A luz invadia seus olhos quase impedindo Mulder de ver. Mas, aos poucos, ele foi distinguindo aos poucos as sombras. Ele via somente um ponto negro. Fixo no céu tão branco e sem nuvens. E então, de repente, o ponto se moveu e começou a fazer círculos no ar. Um disco voador? Será que depois de morto ele finalmente iria ver uma nave extraterrestre de perto? Era uma grande ironia. Ele não podia deixar de sorrir ao pensar nisso. Enquanto isso, o ponto negro voava em círculos se afastando cada vez mais. Mulder tentou se mover, ir em direção a nave, e notou que podia se mover e que já não estava no meio do nada. Ele estava em um quarto de hospital. Seu disco voador voltou em sua direção e pousou no lençol. Mulder afastou a mosca com as mãos enquanto ria de si mesmo. Se deitou novamente mas não ousou fechar os olhos. Já tinha ficado tempo demais de olhos fechados. O que queria agora era exatamente o que estava tendo. Um momento de paz sem pensar na morte e no vazio. Todos os seus sentidos estavam alertas. Sentia o cheiro dos lençóis do hospital, misturado com o odor forte de álcool. Ouvia os sons que ecoavam pelos corredores, e podia até mesmo ouvir o zumbido da mosca que já voava em direção do corredor. Sentia a boca seca e um leve gosto amargo. Tocou o lençol que o cobria e sentiu a aspereza da goma com que havia sido lavado. Mas já sabia que nada era mais desagradável do que não sentir nada. Ele daria boas vindas a qualquer sensação, até mesmo a dor. Scully entrou no quarto e Mulder finalmente se sentiu vivo ao ver o sorriso dela. Ela ainda teria que esperar muito tempo para realizar uma autópsia nele. Ele rezou internamente para que, quando esse dia chegasse, a realidade fosse diferente do que ele havia achado que era. Mas, intimamente, ele sabia que seria diferente. Sem essa certeza como ele continuaria a sua busca pela verdade, por sua irmã? Ele aprenderia com Scully a encarar a vida de forma diferente, mas ele não discutiria isso com ela. Ela continuaria achando que ele não acreditava em Deus. Mas, sem que ele soubesse, ela continuaria temendo a morte, mesmo acreditando em Deus. Nesse ponto, como em tantos outros, eles jamais entrariam em acordo, mesmo tendo os mesmos medos. Scully se aproximou dele e segurou sua mão. Disse a ele como haviam feito ele voltar, como a ciência o havia salvado, mas não pôde explicar o que havia ocorrido. Novamente, como tantas outras vezes, os fatos ficariam ofuscados pela realidade e os dois somente podiam retornar à suas vidas. Fim.