Título: Reais Intenções Autora: Claudia Modell Sinopse: Um caso de terrorismo, uma seita religiosa, uma mulher a procura de anjos e Mulder no meio de tudo isso. Altos níveis de MulderAngst. Nível aceitável de MulderTorture. E-mail: claudia@subsolo.org Categoria: Drama Homepage: http://subsolo.org Disclaimer: Os personagens dessa história foram criados por Chris Carter, 1013 e Fox Company. Reais Intenções O silêncio da casa era cortado, a intervalos regulares pelo som do piano. A melodia ricocheteava pelos cômodos, desviava dos obstáculos, ecoava nos aposentos vazios. A cada tecla que era pressionada correspondia o leve murmurar de uma nota que fugia, sem controle, deslocando o ar abafado da casa. O tom sombrio dos aposentos e o som melodioso davam a impressão de paz absoluta. Mas, em um aposento, a paz foi, repentinamente, rompida pela luz ofuscante que a invadiu, pelo vento forte que já não encontrava resistência, pelos gritos, cada vez mais altos, de um homem. Não eram gritos de dor ou de raiva. Eram gritos de desespero, por, finalmente, descobrir a verdade. O homem gritava, o desespero esvaindo suas forças. O desespero por ter, enfim, se dado conta de quem ele realmente era, e por ter percebido que o inimigo do qual fugia era a pessoa na qual mais confiara. Os gritos de Fox Mulder fizeram o piano ficar em silêncio. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx 6 meses antes. Walter Skinner tinha certeza de que seus agentes iriam odiar aquela missão. A idéia de afastar Dana Scully e seu parceiro de suas tarefas habituais não o agradava minimamente. Ainda mais se a nova missão dizia respeito a terroristas. Mas, segundo a divisão anti- terrorismo, seria uma vantagem ter dois agentes que não trabalhavam naquela área cuidando deste caso. De fato, eles poderiam até mesmo se infiltrar em algum grupo terrorista com mais facilidade. Skinner concordou mas não gostava disso, afinal Mulder e Scully não tinha experiência nessa área. E o pior era que um dos dois teria que trabalhar sob disfarce e se infiltrar entre os possíveis terroristas. Quando sua secretária anunciou a chegada dos agentes, Mulder e Scully entraram na sala. O modo como Mulder abriu a porta para sua parceira demonstrava que a escolha sobre quem estaria sob disfarce não seria nada fácil. Mulder não deixaria sua parceira correr qualquer risco, e, nesse ponto, Skinner concordava com ele, mas, ao mesmo tempo, sabia que Scully não deixaria que a tratassem de forma diferenciada somente por ser mulher. "Senhor, eu acho que posso cuidar disso tão bem quanto o Agente Mulder." Realmente, a discussão não estava sendo nada fácil, como ele previra. "Agente Scully, eu tenho certeza disso, mas você tem que entender que para um homem é mais fácil esse tipo de ação." Scully se irritou profundamente com a última declaração de seu chefe, mas, internamente, ela sabia que ele estava certo. Mulder, enquanto isso, não opinava. No fundo ele sabia que ela cederia. Ela jamais colocaria em risco uma missão somente para provar que não era diferente dele, por ser mulher. E Mulder estava certo. Ela cedeu, claramente contrafeita. Agora ela e Mulder deveriam se apresentar ao homem responsável pelas operações. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Erik Marks estava na unidade anti-terrorismo do FBI havia cinco anos. Já havia investigado centenas de casos, a maioria dos quais eram somente ameaças, não concretizadas, no entanto, devido ao esforço de sua equipe. Eles contavam com informantes que lhes diziam quando e como cada ataque iria ocorrer. Multas vezes não havia qualquer ataque. Eram somente ameaças com o intuito de criar um clima de medo. O âmago do terrorismo. Mas nenhuma ameaça podia ser desprezada, pois jamais seria possível saber se aquela seria uma nova Oklahoma. A última ameaça fôra encaminhada a um membro do Congresso. Um bilhete anônimo alegava que uma bomba seria colocada em um local de grande visitação pública, e que devastaria um quarteirão inteiro. Após cansativa investigação, Marks e sua equipe chegaram à conclusão de que o bilhete fôra mandado por uma milícia armada que se auto denominava "Olhos da Nação". Não havia sido uma conclusão fácil, mas, mesmo assim, Erik Marks tinha a impressão de que, se o grupo quisesse, o FBI jamais teria descoberto quem eram eles. Talvez houvesse alguém, dentro do grupo, que queria que o FBI soubesse com quem estavam lidando. Marks não tinha como saber isso. Não podia confiar em qualquer informante, já que não sabia o motivo do envio da carta. Também não tinha como infiltrar algum agente no grupo, pois, se alguém estivesse armando algo com eles, provavelmente saberia quem eram seus homens. A única saída era colocar alguém de outra seção dentro do grupo, com a esperança de que, sendo alguém desconhecido no meio do combate ao terrorismo, pudesse se passar por um cidadão comum. Ao conversar sobre o assunto com seus superiores, Erik teve a resposta de que haviam dois agentes que se enquadravam no perfil que buscava. Principalmente, Fox Mulder, que, sendo um psicólogo, teria condições de lidar com os egos inflamados de terroristas, e sendo um agente com anos de experiência em campo, teria condições de se mover dentro do grupo, sem correr tantos riscos. A escolha estava feita, e, quando Marks recebeu a confirmação de que o Agente Mulder aceitara, iniciou-se a preparação para que ele entrasse no grupo, chamando menos atenção quanto possível. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Scully estava preocupada. Ela podia apenas observar toda a preparação, mas não tinha qualquer controle sobre as operações. Durante dias Mulder foi instruído sobre fabricação de bombas, métodos terroristas, formação de grupos de milícias e diversos outros assuntos que diziam respeito a esse tipo de associação. À medida que ele ia sendo instruído, se lembrava que Scully, com certeza, não estava gostando nada da situação. Mas ela, ciente dos deveres de agente, tentava não dissuadir Mulder de sua nova missão, mesmo porque não conseguiria. Em uma semana, Mulder estava pronto e não tardou para que se infiltrasse no grupo. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Mulder havia conseguido, com certa facilidade, fazer amizade com Jeremy Darwin, que, por sua vez, estava intimamente ligado ao grupo Olhos da Nação. Jeremy era um rapaz de vinte e oito anos, desiludido com a sociedade que o rejeitava por ser o estereótipo do branco pobre. Sem emprego fixo e sem qualquer qualificação, Jeremy, como muitos outros na mesma situação, se sentia injustiçado e acreditava que o Governo tinha o dever de dar-lhe melhores condições, à qualquer custo. Mas, ao contrários de muitos outros, Jeremy queria tudo sem fazer qualquer esforço. Sua desilusão com o sistema, ao invés de ser algo saudável, servindo como impulso em sua vida, transformou-se em ódio puro, dirigido à todas as instituições, bem como às pessoas mais privilegiadas do que ele. Talvez, pensou Mulder, a sorte que a sociedade tivera fôra justamente a escolha de Jeremy por integrar-se ao grupo de militantes. Nada pior que um jovem cheio de ódio, sem qualquer liderança. Após uma semana infiltrado, Mulder percebia que a liderança do grupo era suficiente para manter a ordem, e, ironicamente, o grupo espelhava a própria sociedade contra a qual se insurgiam. No fundo os seres humanos tendem a repetir os erros de seus pais, e, em outra escala, um grupo de militantes revolucionários não passa de um espelho do Governo ao qual se opõem. Assim, o que Mulder percebeu, logo de início, era que o grupo que investigava estava mais disposto a lançar palavras de ódio e preconceito do que partir para qualquer ação mais drástica. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx "Hey, Chris!" Mulder virou-se, imediatamente, ao escutar o nome que agora estava usando. Não tinha sido fácil se acostumar, mas ele sabia que jamais poderia errar e isso era um estímulo para estar sempre atento. Era Jeremy que o chamara. Mulder estava encaixotando algumas armas, todas com munição de festim. Deixou de lado o que fazia ao notar que Jeremy corria em sua direção, bastante agitado. "Jeremy, o que houve?" "Não soube? O FBI está nos investigando! O boato é que eles vão nos atacar. O chefe quer que nós peguemos as armas e os explosivos." "O FBI? Mas...Ok, o que o chefe quer fazer? Lutar contra o FBI?" A simples idéia de uma luta armada assustava Mulder. O grupo ao qual se unira era composto não somente de homens dispostos a matar ou morrer por um ideal, mas também das famílias deles. E, em um confronto com as forças da lei, algum deles poderia morrer ou ser ferido. "Não! Você é louco? O FBI acabaria conosco. Não, o chefe quer que a gente esconda as armas e os explosivos, e quando o FBI chegar nós estaremos limpos." Mulder não entendia porque o FBI atacaria, a não ser que o grupo tivesse descoberto algo sobre ele, e o FBI vendo que ele estaria correndo risco, resolvera atacar. Mas isso não fazia muito sentido. Talvez, afinal, tudo não passasse de um boato. Mesmo dizendo isso a si mesmo, ele ainda podia sentir um frio na boca do estômago. Fez o que Jeremy dissera e começou a esconder as armas e explosivos e um balcão atrás da casa principal. Jeremy, mesmo depois de escondidas as armas, parecia muito assustado. Ficava falando baixinho, como se discutisse consigo mesmo. "Jeremy, quer me dizer porque você está tão nervoso? O FBI não vai encontrar nada. Tudo vai dar certo." "Chris, você não entende. O Governo quer acabar com a gente. Eles vão nos destruir. Vão acabar com tudo e matar todos." "Hey, calma! Não vai acontecer nada. Calma!" Jeremy estava cada vez mais nervoso. Seu olhar era de um animal acuado. Mulder podia sentir a tensão do rapaz apenas pelo modo como ele abria e fechava incessantemente as mãos. Era claro que ele estava aterrorizado. "Chris, eu tenho uns amigos, não muito longe daqui. Eu vou me esconder lá. Quer vir?" Mulder não sabia o que dizer. Sabia que deveria ficar perto do grupo, mas, ao mesmo tempo, não queria deixar Jeremy à solta por aí, nervoso como estava. Jeremy não esperou por uma decisão de seu colega. Seguiu correndo em direção à mata. Mulder achou prudente seguí-lo e tentar convencê-lo a voltar. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Scully acompanhava as investigações com muita atenção. Os avanços, que ocorreram na semana que se passara, mostravam que o grupo de militantes poderia ser bem mais perigoso do que se imaginara. A certeza desse fato veio com um telefonema anônimo que, conforme se verificou, viera do local onde o grupo estava acampado. A pessoa que ligara dissera saber que havia um agente infiltrado e que, em breve, ele seria eliminado. Podia ser somente um tiro no escuro para assustar o FBI, mas Scully não estava disposta a correr qualquer risco. Ela não teve problemas em convencer Marks a invadir a sede do grupo, e resgatar Mulder. Erik não estava, realmente, disposto a perder nenhum agente sob sua responsabilidade. Em poucas horas após o telefonema, o FBI estava pronto para a invasão, com instruções específicas de não atirar a não ser que fosse estritamente necessário. Ao chegarem ao campo, os agentes se posicionaram em locais estratégicos e aguardaram pelas ordens de Marks. Em alguns minutos a operação teve início. Os militantes não reagiram à prisão e tudo correu como Erik e Scully tinham planejado, exceto por um incidente. Um dos agentes jogara uma bomba de gás lacrimogêneo no galpão. A faísca, em contato com os explosivos que lá estavam escondidos, deu origem à uma explosão. Ninguém se feriu. A fumaça resultante da explosão subia em grossos blocos no céu. As balas de festim explodiram, criando um clima de guerra, apesar do pacifismo da operação. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Mulder e Jeremy já estavam bem longe do acampamento quando ouviram a explosão, seguida dos tiros. Mulder puxou Jeremy para baixo e eles se esconderam na ravina. Mais tiros foram ouvidos, pareciam não ter fim. O fogo e a fumaça pareciam ter dominado o acampamento. A fumaça encobria o sol, completamente. Mulder tinha somente uma pergunta em sua mente. Se os militantes não estavam armados, e disso ele tinha certeza, porque tantos tiros? "Droga cara! Eu não disse? Eles destruíram tudo!!!" Mulder não tinha idéia do que responder. "É melhor a gente sair daqui." "Isso, vamos nos encontrar com os amigos que eu te falei." Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Mulder não estava em lugar algum. Scully já tinha procurado por ele entre todos os membros do grupo. Marks interrogara muitos militantes mas ninguém soube lhe dizer onde estava Mulder. Erik estava confuso. Ao mesmo tempo que sabia que a operação era arriscada, ele também sabia que ninguém havia se ferido. Mas nada disso estava servindo de consolo para Scully, que receava que tivessem cumprido a ameaça e que ela devia somente buscar o corpo de seu parceiro. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Mulder e Jeremy haviam encontrado os amigos que este último mencionara. Não eram militantes e sequer pareciam violentos. Os dois foram recebidos pelo líder do grupo, que se apresentou com Rá. Mulder sabia o que o nome significava. O Deus Sol egípcio. Isso lhe deu a certeza de que se tratava de um grupo religioso. Talvez uma nova seita. Fox Mulder não gostava da idéia de estar dentro de uma seita. A idéia o deixava mais nervoso do que estar infiltrado entre terroristas. Mas ele não tinha outra saída. Pelo que percebera, o FBI havia atacado o acampamento com força total, mesmo os militantes não dispondo de armas. Isso o irritava. Mesmo fazendo parte do FBI, ele sentia que a prepotência era a arma mais utilizada pelo departamento, como por outras autoridades. Assim como ele, Jeremy também pensava isso e, com certeza, a seita à qual se juntara também compartilhava dessas idéias. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Rá não era o que Mulder havia pensado a princípio. De fato, ele era um homem de maneiras calmas, de fala macia e que conduzia os membros da seita da mesma forma que um padre fazia. Mulder começara a gostar de ouvi-lo. Não era difícil, já que Rá, como Mulder, era um homem muito inteligente. Jeremy havia se distanciado de Mulder pois preferia as conversas com uma jovem, Elizabeth. Mulder observava a grande diferença entre esse rapaz e o jovem violento que conhecera no acampamento. Era óbvio que, não somente Elizabeth, como também o novo estilo de vida, haviam modificado o rapaz. As confidências com os membros da seita, a calma do lugar onde estavam e a atenção que lhes era dispensa, foram suficientes para modificar, em menos de um mês o rapaz, e talvez Mulder também. Mulder não estava certo se seu próprio comportamento estava se modificando mas tinha a impressão de que a resposta era sim. Mas ele não estava reclamando. Ele se sentia mais tranqüilo do que nunca. Dormia cedo, sem pesadelos, acordava também cedo, se alimentava bem. Trabalho era o que não faltava, mas a violência a que havia se habituado não existia. Às vezes Mulder tinha a impressão de que sempre vivera ali, e que sua vida antes tinha sido somente um sonho. Mas ele tinha consciência do porque de tamanha mudança. Grupos como esse tinham técnicas de lavagem cerebral. Mulder achara, erroneamente, que esses grupos privavam as pessoas de coisas essenciais, como água e comida, ou a luz do sol, e, assim, tinham como subjugá-las. Mas, agora, ele via que haviam outros métodos. Ele se encontrava longe da sociedade, dependendo unicamente de Rá e seus seguidores. Ouvia o dia todo as pregações e os conselhos de Rá. Além disso sua mente não tinha mais nada com que se ocupar. Mulder sabia o que eles estavam fazendo, mas, mesmo sabendo ele não parecia se interessar em lutar. Fugir parecia arriscado e, a cada dia que passava, mais ele se perguntava se valia a pena fugir. Ele pensava em sua parceira, que deveria estar preocupada com ele. Mas não havia meio de se encontrar com ela. O jeito era continuar junto com a seita e aguardar o momento oportuno. O que ele não sabia era que, quando o momento chegasse, talvez ele não tivesse vontade de aproveitá-lo. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Scully não conseguia dormir. Não era uma novidade. Desde que seu parceiro desaparecera, quatro meses antes, ela não conseguia dormir bem. Ela ainda procurava por ele, com a ajuda de Erik, que tinha se tornado seu grande amigo, durante esse tempo. Mas, nem mesmo Erik, com o apoio de Skinner, poderia obrigar o restante do FBI a manter o interessa no desaparecimento de Mulder. As esperanças de encontrá-lo com vida eram poucas. Apesar dos inúmeros interrogatórios, não ficou certo como ou porque ele havia sumido. Mas Scully não estava disposta a desistir. Entre uma investigação e outra, ela fazia pesquisas, com a esperança de que seu parceiro tivesse sido levado para algum outro grupo de milícia. Ao mesmo tempo que Scully procurava por Mulder, uma outra equipe do FBI investigava algumas seitas que proliferavam nos arredores de Washington. Segundo o Agente Dawson, a praga desse século, ainda mais deste final de século, eram essas seitas, que buscavam pessoas desesperadas e lhes ofereciam paz espiritual, mas que, em troca, lhes tiravam todas as posses, e o pior, a vontade própria. Os diversos confrontos com esses grupos resultaram, muitas vezes, nas mortes de pessoas inocentes, que haviam sofrido lavagem cerebral e já não mais distinguiam o certo do errado. Edward Dawson era um agente com bastante experiência nessa área, e essa mesma experiência lhe dizia que os seguidores de Rá, um grupo que florescia ao leste de Washington, precisava ser monitorado. Apesar da aparente calma na qual viviam, Dawson tinha certeza de que, em um momento de loucura do líder, os seguidores estariam em perigo, como também estariam os agentes que os tentassem deter. As investigações eram feitas de diversas formas, mas a principal fonte de informação vinha de um agente que se disfarçara de entregador de suprimentos. Ele conseguia conversar com alguns membros e, depois de alguns meses, já havia descoberto que Rá estaria disposto a tudo para defender seu rebanho, ou seu estilo de vida. De fato, Rá havia acumulado uma verdadeira fortuna, se apropriando dos bens doados por seus seguidores. Ele tinha muitas propriedades e com certeza havia bem mais do que isso. O mais importante, entretanto, era determinar a identidade dos membros e a rotina da seita, para, em uma eventual invasão, Dawson e sua equipe estarem preparados para a ação. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Após tanto tempo dentro do grupo de Rá, Mulder já quase não pensava em sua vida antes disso. Ele não tinha nenhum arrependimento. A visão do FBI invadindo o campo onde ele estava com Jeremy, havia se instalado em sua mente. Ele já não sabia ao certo se havia visto a invasão ou se era somente sua imaginação. Não importava o que fosse, ele tinha certeza que o resultado era o mesmo. O FBI havia usado força máxima para invadir o campo e atacar um grupo que estava desarmado. Mulder havia conversado com Jeremy sobre isso e Rá soubera do que havia acontecido. Assim, era normal que Rá chamasse Mulder para lhe dar conselhos. Essas conversas tinham o claro objetivo de fazer Mulder ficar contra as autoridades. Ele tinha essa certeza, mas ao mesmo tempo ele se perguntava se Rá não estaria certo. Mulder ainda não considerava o FBI como seu maior inimigo, mas preferia não ter ninguém pertencente ao departamento por perto. Mas nem mesmo esse desejo ele teve realizado. Havia um homem, que entregava os suprimentos na fazenda, que Mulder desconfiava ser um agente do FBI. Mulder queria se certificar de suas suspeitas e tentava sempre receber os suprimentos, mantendo, dessa forma, algum contato com o homem. Era óbvio que Mulder não podia, simplesmente, perguntar ao homem se ele era um agente, assim como não podia se identificar como sendo um ele mesmo. Isso poderia ser muito arriscado. Mas o homem estava muito interessado em fazer amizade com Mulder, o que demonstrava que havia algo por trás disso. Em pouco tempo, Mulder teve a certeza. Mas como ele resolveria a questão era sua maior preocupação. Não queria colocar em risco a vida do agente, mas, também, não pretendia que o FBI fizesse o mesmo que havia feito antes. Ele tinha que tentar alertar Rá, sem se expor demais. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx O Agente Dawson, e sua equipe, haviam conseguido, principalmente através do agente infiltrado, diversas informações importantes, e, mais especificamente, fotos dos membros da seita e do local onde estavam estabelecidos. Um dos membros da seita, que era identificado somente como Chris, havia se aproximado bastante de seu agente, e deixou escapar informações valiosas. O que o agente havia descoberto, no entanto, deixaram Dawson preocupado. Tudo indicava que a seita estaria preparada para se defender de qualquer intervenção. O FBI precisava agir rápido. A identificação dos membros da seita era lenta. Identificar Chris foi a parte mais difícil, já que não haviam registros dele nos computadores do FBI ou da polícia. Quando já acreditava que não encontraria nada, Dawson se deparou com a foto de Chris. Mas o nome relacionado à foto era de Fox Mulder, um agente do FBI, desaparecido quatro meses antes. Dawson, antes de tomar qualquer atitude, resolveu procurar o agente responsável pelas investigações relativas a Mulder. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Erik Marks desejava encontrar Mulder e tranqüilizar Dana Scully, mas os avanços nas investigações eram quase inexistentes. Já tinha perdido as esperanças de encontrá-lo vivo, pelo menos até quando recebeu o telefone de um colega. Ao receber o fax com a foto de Mulder, Erik quase gritou de alegria. Dana iria adorar saber da novidade. Ele se importava muito com ela. Tinha conhecido muitas mulheres no FBI mas Dana era diferente de todas. Sua postura distante assustava a princípio, mas sua paixão pelo trabalho logo ficavam evidentes. Claro que a ligação entre ela e Mulder era muito forte, mas, mesmo assim, Erik preferia ver Dana sorrir novamente a vê-la em uma busca sem fim pelo parceiro. Erik estava certo. Scully adorou saber a novidade, mas, ainda assim sua preocupação não era menor. Ela não entendia porque Mulder não havia deixado a seita, mas tinha a impressão de que ele não estava sendo mantido como refém. Scully e Erik decidiram procurar o Agente Dawson. "Agente Scully, Agente Marks, muito prazer." "Muito prazer. Agente Dawson, eu acho que já sabe que meu parceiro estava infiltrado em um grupo de terroristas antes de desaparecer e se juntar a esse grupo." "Sim, eu soube. O que eu não entendo é como ele saiu de um grupo terrorista para se juntar a uma seita religiosa. E porque não escapou." "Nós também não entendemos, mas ele, com certeza, está lá contra sua vontade." "Desculpe discordar, Agente Scully, mas a fazenda onde a seita está instalada não tem portões e a segurança é inexistente. O agente que conversou com ele disse que seu parceiro parecia estar muito a vontade." "Bem, isso não vem ao caso. O importante é que nós o encontramos e agora precisamos falar com ele." Scully ouviu Erik dizer isso e se sentiu mais calma. O fato de Mulder não ter fugido era estranho, mas Scully estava mais ansiosa em tê-lo de volta do que saber porque ele havia sumido. Mais tarde houve uma reunião, visando uma invasão à sede da seita. Dessa vez Scully pretendia estar à frente das operações e não perderia Mulder de vista. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Mulder havia alertado Rá, simplesmente dizendo que desconfiava do entregador. A paranóia de Rá fez o resto do serviço. Em algumas horas tudo estava pronto para a fuga. Muitos dos seguidores não foram avisados. Rá tinha consciência de que uma fuga em massa seria muito complicada. Assim, somente ele, Mulder, Jeremy e alguns poucos seguidores estavam se retirando da fazenda. Em instantes deles deixaram a vida que vinham levando, calmamente, por tanto tempo. Ele, no entanto, estava preocupado com Jeremy. O rapaz não conseguiu alertar Elizabeth que, juntamente com outras mulheres, não se encontrava na fazenda naquele momento. No último momento Jeremy tentou discutir com Rá, insistindo para que aguardassem Elizabeth, mas isso era impossível. Mulder tentou acalmá-lo, mas seu amigo estava inconformado. Quando estavam ã uma distância bastante segura da fazenda, Jeremy não resistiu e, desobedecendo a seu líder e ao bom senso, pulou do caminhão e correu em direção à fazenda. Mulder, que se encontrava na parte de trás do caminhão, fez sinal para que este parasse. Disse a Rá que iria atrás de Jeremy e os encontraria depois em uma das propriedades do grupo. Jeremy não estava muito longe, quando Mulder o alcançou. Mas antes que Mulder pudesse convencer Jeremy a voltar, ele notou a aproximação de carros do FBI em direção à fazenda. Eles não estavam muito longe dos carros, mas conseguiram se esconder na mata, sem serem vistos. Mulder olhava com curiosidade os agentes se organizando para a invasão. Ele tinha medo de que houvesse violência, mesmo sabendo que não haviam armas na fazenda. Jeremy também tinha o mesmo receio. Tudo o que ele conseguia dizer era o nome de Elizabeth, e repetia uma prece para que não a machucassem. Em instantes a invasão teve início. Ao contrário do que temiam, não houve violência. Mulder via bem os agentes mas não reconhecia ninguém. Decidiu ir um pouco mais perto, e então viu Erik Marks. Era estranho. Marks cuidava de casos de terrorismo. O que estaria fazendo ali? Em seguida Mulder viu as mulheres, e entre elas Elizabeth, serem levadas até as viaturas. Scully as acompanhava. Tanto tempo havia se passado mas ela parecia a mesma. Os cabelos ruivos brilhavam sob o forte sol da tarde. Mulder havia passado tanto tempo sem pensar nela que havia se esquecido o quanto ela era bonita. Ele estava tão entretido, observando sua parceira, que não percebeu que Jeremy havia se afastado e corrido em direção à Elizabeth. O jovem violento de meses atrás ressurgira ao pensar que sua namorada estava em perigo. Embora desarmado, ele parecia bastante ameaçador. Ou ao menos assim pensara Scully que, instintivamente, sacou sua arma e atirou em Jeremy. Mulder segurou-se para não correr em direção ao rapaz. Não podia arriscar-se já que, mesmo que Scully não atirasse nele, haviam outros agentes que poderiam fazê-lo. Mulder continuou escondido e viu Scully e Marks correrem em direção a Jeremy. Ele estava vivo mas parecia bastante ferido. Entretanto, Scully e seu novo companheiro, não hesitaram em algemar o rapaz que gritava de dor. A cena causou enjôos em Mulder. Como eles podiam ser tão insensíveis? Mulder tinha cada vez mais certeza de quem eram seus verdadeiros inimigos e quais eram suas reais intenções. Como Rá dizia, as autoridades queriam somente manter-se no poder, passando por cima de todos, destruindo tudo o que não seguisse seus padrões. E, ao final, alegavam que as vítimas eram na verdade loucos assassinos. Mulder aguardou que os agentes se distanciassem e aproveitou para fugir. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Scully estava furiosa. Haviam, novamente, perdido Mulder. Como isso havia acontecido, era impossível saber. O jovem que Scully ferira estava muito agitado e ameaçava qualquer um que se aproximasse dele. Scully tinha certeza que o rapaz não diria nada. Erik tentou acalmá-la, dizendo que ele mesmo trataria de interrogar o rapaz. Mas, nem mesmo Erik conseguiu saber o paradeiro de Mulder. Eles estavam, outra vez, em uma encruzilhada. Não tinham como saber para onde Mulder havia ido. Talvez ele tivesse seguido Rá para uma das inúmeras propriedades espalhadas pelo País. Mas não seria fácil encontrá-lo. Muitas das propriedades sequer estavam no nome de Rá. A questão que impedia, no entanto, uma intensa busca era o desinteresse do FBI no caso. Mulder, como ficou claro, não estava sendo mantido prisioneiro. Ademais, com a dispersão do grupo, eles não tinham atividades ilegais a serem investigadas. A seita havia se desfacelado. Erik e Scully eram os únicos que tinham interesse em continuar as buscas. Mas, mesmo com o apoio de Skinner, eles não tinham condições técnicas para prosseguir. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Mulder conseguiu encontrar Rá e os outros com facilidade. A casa onde se encontravam estava não muito longe da cidade. "Chris, que bom que conseguiu nos alcançar. Onde está Jeremy?" "Eles atiraram nele. Não pude fazer nada." "Não se culpe. Essa violência não é culpa sua. Eles acham que podem agredir as pessoas somente porque carregam uma insígnia. Mas, ao final, eles verão a verdade." Mulder concordou com ele. Tinha feito parte do FBI por muito tempo, a ponto de não perceber mais a diferença entre abuso de poder e moderado uso de força. Ele havia visto como o FBI havia invadido a sede do Olhos da Nação e agora vira, novamente, como eles haviam exagerado na força. Definitivamente, Scully não tinha necessidade de atirar em Jeremy. Mulder sabia que, um dia, ele também costumava agir da mesma forma. Mas isso não diminuía a culpa que recaía sobre o FBI e Scully. Mulder já considerava todo o FBI, e demais forças da ordem, incluindo sua parceira, como seus inimigos, e não tinha intenção de se reunir a eles. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Nos meses seguintes à fuga de Mulder, sua vida passara, novamente, por uma mudança radical. Rá, ao contrário do que vinha sempre pregando, decidira que era tempo para usufruir das coisas boas da vida. A casa que abrigava Mulder, Rá e mais cinco seguidores, não era luxuosa mas também não se enquadrava na categoria de simples. De fato, o antigo casarão tinha doze aposentos, espalhados por seus três andares. Os móveis de madeira maciça e os quadros antigos ornavam os aposentos. Apesar de Mulder e os outros notarem as incongruências, eles nada diziam ou faziam, afinal eles não tinham muito do que reclamar. Rá continuava suas pregações, mas, com menor público, elas eram menos freqüentes. Assim, Mulder tinha muito mais tempo livre, que ele usava com o único propósito de saber os passos de Scully. O que ele tinha descoberto, no entanto, o deixava nervoso e zangado. Ela, agora, estava trabalhando diretamente com Erik Marks. Mulder conseguia, sempre de uma distância segura, seguir os dois. Tudo indicava que os dois trabalhavam muito bem juntos. Muitas vezes Mulder havia notado os sorrisos que eles trocavam e a forma como Marks a tratava. Por mais que Mulder dissesse a si mesmo que era uma bobagem sentir ciúmes desse relacionamento ele não se convencia. Não eram ciúmes pelo relacionamento pessoal. Ou não somente por isso. Estava claro que os dois trabalhavam muito bem juntos e parecia que vinham fazendo isso há anos. Cada vez que ele via Scully rindo ele sentia como estivessem falando dele, rindo dele e de sua escolha. Talvez Scully estivesse contando a seu novo parceiro sobre o vazio na vida de Mulder, sobre sua busca inútil pela irmã, e sobre sua crença infantil em homenzinhos verdes. Mulder se sentia a piada do século, ao ver Scully rindo, e isso somente aumentava sua ira. Às vezes ele tinha pensamentos de vingança, mas sabia que a violência seria inútil. Como Rá costumava dizer a violência somente traria mais dor. Mulder, no passado, considerava o que Rá dizia. Mas, agora, Rá já não parecia se importar com nada e Mulder já havia perdido todos os seus referenciais. Ele já não pertencia a lugar nenhum. Não era um agente do FBI, não era um militante contra o governo, não era um seguidor de Rá. Não tinha mais qualquer ideal. A busca por sua irmã, parecia, agora, uma necessidade infantil, ofuscada pela realidade. Uma realidade que o mostrava como ele realmente era. Um homem sem ideal. Seu passado parecia jamais ter existido. Ele era chamado de Chris por todos, e Chris não era ninguém. Seu futuro era incerto, mas a cada dia que passava, mas ele se parecia com o estereótipo antes representado por Jeremy. Um homem sem qualquer meta na vida, que consome seus dias com a raiva por seu destino errôneo. Mulder não estava sequer ciente dessa mudança. Se Scully estivesse do lado dele, ela teria notado como o seu olhar havia se modificado. Como seu jeito de ser se tornara mais comedido. Até seu modo de se mover era diferente. Ele havia perdido a espontaneidade, o humor, a alegria. Falava muito pouco e jamais sorria. Seu olhar às vezes se perdia em uma linha inexistente no horizonte. Mas não dava a impressão de olhar para lugar nenhum. Nem mesmo para dentro de si mesmo. Ele nem ao menos parecia perdido. Parecia, isso sim, que estava preso em si mesmo. Mulder já nem se perguntava se era feliz ou não. Não lhe interessava saber isso. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Scully, ao contrário de Mulder, tinha esperanças para o futuro. Ela ainda procurava por ele, mesmo que as investigações estivessem se revelando, cada vez mais, desanimadoras. Erik havia se tornado seu grande aliado. Ela sabia dos sentimentos dele em relação a ela. Havia desconfiado desde o início, na verdade. Mas ela demorara a ceder, e sequer notou o momento em que começara a ceder. Ele estava ali, dando apoio a ela, sendo compreensível, gentil. As maneiras calmas, o sorriso fácil e o fato de expressar sempre seus sentimentos, contrastavam visivelmente de todos os homens que ela havia conhecido. Como parceiro ele também era bastante diferente de Mulder. Havia sido fácil adaptar-se à Erik. E havia sido mais fácil ainda se envolver com ele. E o que mais espantava Scully era que ele não se importava em procurar por Mulder, o que fazia com a mesma tenacidade que ela. Mas as buscas, até o momento, haviam sido em vão. Segundo Erik, o único meio de encontrar Mulder era esperar que ele mesmo decidisse voltar. Mas, após tanto tempo, isso parecia cada vez mais improvável. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Uma forte chuva havia desabado sobre a cidade. Mulder não tinha como voltar para casa. Tinha que esperar a chuva passar apara conseguir, ao menos, enxergar a estrada. A decisão de ver Scully mais uma vez estava se demonstrando um grande erro. A última coisa que queria era ficar preso na cidade. Mas, agora que a chuva gelada já se transformava em grossos flocos de gelo e neve, e os ventos começavam a soprar com muito mais força, aumentando ainda mais o frio. Mulder teve que se resignar e procurar um lugar para passar a noite. Se ao menos ele pudesse voltar a seu antigo apartamento. Mas, obviamente, ele já não deveria ser mais seu. O dono do apartamento não esperaria simplesmente que ele voltasse. Os hotéis que Mulder procurava estavam todos lotados e os que não estavam não valiam sequer a visita. Passar a noite debaixo de uma nevasca, no entanto, era algo impensável. Talvez Mulder pudesse fazer o que vinha planejando havia tanto tempo. Confrontar Scully. Podia passar a noite na casa dela. Scully, com certeza, não iria concordar. Mas, no momento, Mulder não dava a mínima para o que ela pensava. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Scully escutou a batida na porta, mas achou que havia se enganado. Já era tarde e o tempo lá fora parecia bastante impróprio para visitantes de última hora. Quando uma segunda batida foi ouvida, ela foi até a porta, segurando sua arma. "Erik?" Nenhuma resposta. Ela olhou pelo olho mágico, mas não pôde ver ninguém. Ela já ia voltando para o seu quarto quando ouviu uma terceira batida, dessa vez mais insistente. Sempre segurando a arma, ela destrancou a porta e, se distanciando, anunciou: "A porta está aberta." Ela se encontrava em uma boa posição para atirar, caso fosse necessário. A luz da sala era fraca, já que somente um abajur estava aceso e iluminava debilmente todo o aposento. Quando a porta se abriu Scully viu somente o vulto de um homem alto entrando. Ela jamais poderia reconhecer, naquele homem, seu parceiro. O modo de andar era diferente do de Mulder. As sombras impediam Scully de ver o rosto do intruso, mas se o visse talvez não encontrasse os traços tão conhecidos de seu parceiro. O olhar, na verdade, era o que mais destoava. Scully ordenou que o homem acendesse a luz. Ao ver Mulder ela abaixou a arma somente por alguns instantes. O olhar dele era de puro ódio e ela não pôde deixar de sentir medo. "Mulder? Você está bem?" "Claro. Está nevando muito. Pode abaixar a arma e me deixar ficar até amanhã?" Ela não tinha se dado conta de que ainda mantinha a arma apontada para ele. Scully travou a arma e a colocou em cima da mesa. Mulder entrou lentamente e se sentou no sofá. Parecia muito cansado. "Quer comer alguma coisa, Mulder?" "Não, obrigado. Porque atirou em Jeremy?" A pergunta fôra feita de forma tão repentina que Scully não entendeu. "O que?" "Nem se lembra, não é, Scully? Foi fácil demais prá você simplesmente atirar nele antes e fazer perguntas depois, não foi?" "Mulder, não. Eu lembro do rapaz. Ele está bem, só atirei no ombro dele." "Ele estava desarmado!!!" "Eu não tinha como saber!" "Não Scully, você tinha o dever de saber. Não pode sair por aí atirando!" À medida que Mulder falava, menos Scully o reconhecia. Ele estava furioso com ela, mas os motivos dele eram incongruentes. O rapaz estava bem, ela achara, quando atirara, que estava correndo risco de vida. Mas Mulder não parecia aceitar essa desculpa. "Não é só isso, Scully. Vocês atacaram o acampamento, destruíram tudo. Entraram atirando e sequer haviam armas lá! Eu sei, porque eu mesmo guardei as armas." "Mulder, nós não atiramos em ninguém! Porque você está defendendo esses terroristas?" "Talvez porque eu esteja vendo as coisas mais claramente agora." "Bem, Mulder, eu também estou vendo tudo de forma mais clara. Eu vejo que você prefere defender terroristas que matam centenas de pessoas do que lutar contra eles." "De onde você essa idéia absurda de que eles mataram centenas de pessoas? Foi o seu novo amiguinho que enfiou essas idéias na sua cabeça?" "Mulder, chega! Você não percebe que está agindo de forma totalmente errada? Eles fizeram lavagem cerebral em você?" "Não! Ao contrário. Eu percebi que quem vinha fazendo lavagem cerebral em mim era o governo. E você continua como eles." "Você veio aqui por isso? Prá me avisar? Tentar abrir minha mente para essa nova verdade que você encontrou?" "Não. Eu estava com raiva de você e queria até forçar você a se arrepender do que fez." "Sei, e agora você mudou de idéia?" "Mudei, mas é porque agora eu somente sinto pena de você." Scully não podia acreditar no que ouvia. Ele tinha pena dela? Agora ela estava até curiosa por saber o que diabos se passava na mente daquele homem que ela pensava conhecer tão bem. "Porque pena, Mulder? Saiba que eu sou muito feliz, muito mais do que eu era. Não precisa ter pena de mim." "Eu imagino mesmo que você esteja feliz. O que você e seu namorado fazem é pisar nas pessoas e atirar em inocentes." "Mulder, quer saber? Eu mudei de idéia. Procure outro lugar prá passar a noite. Desapareça novamente. Eu nem sei porque eu ainda procurava por você, quando na verdade você sequer queria ser encontrado. Se você está tão bem agora, esqueça de sua vida antiga." Ele não esperou que ela dissesse mais nada. Depois que Mulder fechou a porta atrás de si, Scully demorou alguns instantes para se recuperar da visita. Ele estava tão diferente. Parecia alguém que jamais havia visto. Scully achou melhor ligar para Erik. Não somente para dizer que Mulder havia aparecido, mas para buscar conforto. Ela, agora, sentia como se tivesse perdido Mulder, de fato. Quando havia a esperança de encontrá-lo, ela se sentia mais tranqüila. Mas como ele, agora, não parecia disposto a ser encontrado, ela não tinha porque manter aquela esperança. Erik a ouviu por algum tempo e depois tentou ponderar. "Dana, ele está há meses com uma seita. Por mais que seja treinado e formado em psicologia, isso não é suficiente para protegê-lo de uma lavagem cerebral. Essas pessoas sabem o que fazem." "Não, Erik. Mulder não deixaria que mexessem dessa forma com a mente dele." "Não é questão de força de vontade, Dana. Eles afastam as pessoas do convívio de amigos e parentes. Com certeza Mulder não tem contato com ninguém fora do grupo. Não deve assistir televisão ou ouvir rádio. Tudo que ele precisa é dado pelos membros da seita." "Então o que você sugere? Que nós o obriguemos a voltar, mesmo que ele não queira?" "Sim, mesmo que ele nos odeie por isso." "Ele já nos odeia, de qualquer maneira. Bom, então precisamos encontrá-lo, mas como?" Erik sabia que essa seria a parte mais difícil. Eles não tinham tido pistas de Mulder por tanto tempo, e isso não mudaria agora. Mas a nevasca, que caía com tanta intensidade, que talvez se tornasse uma aliada. Se Mulder havia ido até a casa de Scully era porque não tinha outro lugar para ir. Talvez ainda estivesse nas vizinhanças. Contrariando Scully, que achava arriscado demais para Erik sair em uma noite daquelas, ele seguiu para a rua e foi em busca de Mulder. Erik sabia que seria como procurar uma agulha em um palheiro, mas a sorte estava do lado dele. Havia um carro parado com o motor aceso, certamente para manter o aquecimento ligado. Erik se aproximou do carro e viu que Mulder estava deitado no banco de trás. Bateu de leve no vidro, pedindo pare abrir a porta. Para sua surpresa, Mulder obedeceu. Erik entrou no carro sem dizer nada. "O que você quer?" "O mesmo que você, Mulder. Um lugar quente para passar a noite." "Não existe um lugar assim." "Eu falei com Dana. Ela está esperando por nós dois com um chocolate quente. O que acha?" "Da última vez que falei com a Scully ela não estava muito contente com a minha presença." "Eu sei, ela me contou. Mas agora ela mudou de idéia. Vamos voltar e amanhã de manhã você vai embora, o que acha?" Mulder não respondeu. Apesar do aquecimento do carro, ele sentia muito frio. A idéia de passar a noite inteira ali não o agradava. A decisão foi rápida. Ele desligou o motor e acompanhou. A volta dele recriou a tensão que havia precedido sua partida. A presença de Erik acalmava Scully, que não se sentia à vontade com Mulder por perto. Ela ofereceu uma bebida quente para ele, que aceitou em silêncio, e assim permaneceu. O silêncio foi quebrado, por Mulder, em alguns minutos. "Vocês dois ficam bem juntos." Mulder tentou imprimir um tom irônico ao comentário, mas sua expressão ou a falta dela não ajudaram, fazendo com o comentário fosse permeado de um sabor amargo. "Bem, Mulder, normalmente eu não tenho problemas com qualquer pessoa no trabalho." "Eu não me referia ao trabalho." "Eu não preciso te dar satisfação da minha vida pessoal, ainda mais quando você sequer se deu ao trabalho em avisar onde estava!" Erik olhou para Scully, avisando, silenciosamente, que ela parasse. Não era bom antagonizar Mulder. "Acho que não fiz falta nenhuma, não é Scully?" Scully se sentia tentada a responder mas sentia os olhares de Erik, que, praticamente, a ordenavam que se calasse. Ela não disse mais nada. Mas Mulder, no estado em que estava, tomou o silêncio como uma confirmação. Ele não se surpreendia. Scully não precisava dele. Jamais havia precisado. Tudo o que ele queria era dizer que ele também não precisava dela. Que não havia precisado no passado e não precisaria no futuro. Mas isso seria uma mentira. Ele achara, durante todo esse tempo, que podia se afastar de tudo e de todos, mas agora percebia que, na verdade, precisava muito dela. Mas era óbvio que ela não o queria mais por perto. Estava mais feliz, com um novo parceiro e namorado. Restava a ele, somente, voltar para sua nova casa. Ele ficou em silêncio, apenas ouvindo Erik despejar um monte de bobagens sobre como ele havia sofrido lavagem cerebral e o que ele precisava fazer para sair disso. Mulder, no fundo, concordava com ele. O modo como ele se sentia era típico de alguém vítima de lavagem cerebral. Às vezes ele se sentia como se fosse outra pessoa. Como se o mundo estivesse todo contra ele. Mulder lutava contra esses pensamentos o máximo que podia. Mas, mesmo ciente disso ele não acreditava que houvesse um lugar para ele na sociedade. E esse último pensamento era fruto, tão somente, dos fatos e não das pregações de Rá. Após algum tempo, Erik, percebendo que Mulder estava quase dormindo, parou de falar. Scully já havia ido dormir e Erik foi até o quarto dela, fechou a porta com cuidado e voltou. Mulder havia sido muito rápido. A porta da frente estava aberta e quando Erik correu para fora do prédio o máximo que encontrou foram as pegadas dele na neve. Erik chamou por Mulder inúmeras vezes, o que, além de não produzir resultados, acordou Scully. Ela se juntou a Erik, mas não para chamar por Mulder. "Erik, deixe ele ir. Entre, está um gelo aí fora." "Mas ele não tem para onde ir, Dana." "Ele é adulto e se acha muito responsável. Deixa ele ir." Eles entraram. Scully estava cansada. Tantos meses procurando por Mulder para culminar em um encontro tão inútil. Era frustrante. Erik também estava chateado, principalmente com Dana. Ela tinha se oposto de tal forma a Mulder que ele não se sentia bem vindo, o que era essencial. "Dana, pode me explicar por que diabos você fez isso?" "Fiz o que?" "Você agiu como se ele tivesse feito tudo errado. Como se tudo fosse culpa dele!" "Eu nunca disse isso!" "Não precisava dizer. Seu rosto dizia isso, seu olhar de reprovação." Scully não sabia o que dizer. Talvez ele tivesse razão. Scully havia sido bastante hostil com Mulder. Mas ela praticamente não o conhecia mais. Erik não entenderia. Aquele homem que eles conheciam como Mulder havia desaparecido, deixando em seu lugar uma pessoa muito diferente. Mas, segundo Erik, ele estava doente e precisava de compreensão. Talvez Scully não fosse a pessoa tão compreensiva que Erik pensava conhecer. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Mulder somente conseguiu chegar em casa na tarde do dia seguinte. As ruas estavam cheias de neve e os engarrafamentos eram enormes. Ao chegar encontrou Rá, no salão principal. Ele estava tocando piano. A melodia ecoava por toda a casa, martelando, a cada nota, a cabeça de Mulder. Ele tinha vontade de chorar, de se esconder, de gritar. De fazer o piano ficar em silêncio. Mas o silêncio pelo qual tanto ansiava não viria facilmente. Diversas vozes gritavam em sua mente. Vozes de seus pais, de seus colegas, de Scully e até de Samantha. Era como uma cascata d'água que faz barulho o tempo todo, mas vira uma tortura quando se começa a pensar nisso. A tortura se tornou tão grande que Mulder não suportara. Gritou o mais alto que pôde. Gritou para que Rá parasse de tocar o piano. Para que as vozes se calassem. As vozes antes indistintas, tinham se tornado mais claras e, de alguma forma, Mulder recomeçava a ver através da neblina que sufocava sua mente. Ele viu a verdade da qual havia se escondido, e podia distinguir, até mesmo, os motivos de sua fuga. Mulder havia rompido com seu passado somente porque a solução tinha sido fácil. Deixara de lado tudo o que lhe desagradava. A sua própria culpa fôra enterrada tão profundamente que Mulder sentia-se incapaz de achá-la. Mas, após ver Scully, ele percebera que não poderia se esconder para sempre. O sentimento de culpa recomeçara a surgir, como um cadáver desaparecido no inverno que ressurge na primavera, com o desgelo. Mas seus sentimentos não tinham estado mortos. Eles estavam vivos e ansiavam por ar. Mulder estava disposto a libertar todos os sentimentos. A culpa, raiva, frustração. Mas ele já não sabia como. A vaga deixada por ele havia sido preenchida, não por Erik, mas pela sua própria imagem. A imagem de Fox Mulder, que já não existia, ocupava seu lugar. E ele, talvez, jamais conseguiria retomar seu lugar. Scully deixara isso bem claro. Ela não queria este novo Mulder. Se no início Mulder sentira-se perdido, como em um deserto, sem ninguém para ajudá- lo, agora ele se sentia ainda perdido, mas tendo muitas portas à sua frente. Ele tinha, somente, que escolher a porta certa. Mas se escolhesse voltar à sua vida antiga, talvez quando abrisse essa porta, tudo o que encontraria seria um vazio. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Mulder anunciou sua decisão para Rá. Este último pareceu descontente com a resolução de Mulder, mas não quis se opor. Rá pretendia ir para outro local em breve, e tendo menos um seguidor com ele, talvez fosse bem mais fácil. Ele deixou a propriedade durante o dia, mas não tinha idéia de onde passaria a próxima noite. Não tinha dinheiro e, obviamente, sequer tinha um carro, já que o que ele usava pertencia a Rá. Mulder conseguiu uma carona para a cidade e resolveu ir até o FBI. Pretendia falar com Skinner e ver se ele ainda podia voltar a seu trabalho. No momento suas ideologias não importavam muito. É difícil manter qualquer ideologia quando o estômago clama por atenção. E ele sabia que, em breve, ele estaria em uma situação bem desagradável. Sem ter onde ficar, nem como se alimentar, ele terminaria por ter que se juntar a centenas de pessoas em algum albergue. Ao chegar à sede do FBI Mulder deparou-se com o primeiro obstáculo para o seu retorno. O segurança não o deixava entrar. Mulder insistiu que precisava falar com Skinner mas nem mesmo isso foi concedido. Mulder não sabia mais o que fazer. Procurar Scully estava fora de cogitação. Ela não o aceitaria de volta. Não ainda. Ele ficou vagando pelas ruas sem ter para onde ir. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Scully havia ouvido tudo o que Erik tinha a lhe dizer, mas ela, mesmo racionalizando tudo, não conseguia deixar de sentir como se Mulder fosse uma outra pessoa. Não era somente seu rosto que o fazia ser que ele era. Seu senso de humor, sua paixão pelo trabalho, seu jeito irônico. Até mesmo seu olhar preocupado. Eram detalhes que faziam Mulder ser Mulder. Ao contrário de Erik, Scully não acreditava que Mulder voltaria a ser quem era. Mas Erik não queria desistir, pelo próprio bem dela. Quando Erik se dirigia para o FBI encontrou Mulder na rua. Erik não perdeu a oportunidade e se aproximou dele. Novamente, para sua surpresa, Mulder não se distanciou. "Mulder, podemos conversar?" "Eu estava procurando Skinner. Acha que eu posso voltar ao trabalho?" Voltar ao trabalho! Essa era boa. Será que Mulder acreditava que o deixariam voltar? Claro que Erik não podia dizer isso a ele. Não sem o risco de vê-lo fugir novamente. "Não sei. Acho que você passaria por uma avaliação." "Bem, então estou perdido." "Não. Você passou por um mau pedaço, eles entenderão." "Aí é que está o problema. Eu não passei por um mau pedaço. Ninguém me obrigou a nada." "Mulder, existem muitos modos para obrigar alguém a fazer o que não quer." "Mas eu acho que eu queria." "Se você realmente quisesse ficar com eles não teria procurado Scully naquela noite e não estaria aqui agora." "Isso não muda o que eu fiz." "O que exatamente você fez? Nada, Mulder! Não agrediu ninguém, não cometeu qualquer crime." "Vou lembrar de levar você prá reunião com os grandões." Mulder sorriu ao dizer isso. Era uma sensação estranha. Fazia tempo que não encontrava algo do que rir. Mulder acompanhou Erik até o FBI. Se ele tinha que voltar era melhor começar o quanto antes. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Skinner estava realmente surpreso em ver Mulder. Mas estava ainda mais surpreso com a disposição de Mulder em voltar ao trabalho. O desejo de Skinner era tê-lo de volta, trabalhando novamente no FBI, mas isso não seria nada fácil. Ele teria que explicar porque havia desaparecido. Mulder escutou tudo o que Skinner lhe dizia sem dizer uma palavra. Ele sabia que sua volta não seria nada fácil, mas achara, ingenuamente talvez, que as dificuldades seriam derivadas, tão somente, de sua readaptação. Agora via que não seria bem assim. Como Erik previra, ele teria que passar por uma avaliação médica e psicológica. Essa última seria uma faca de dois gumes. Se a conclusão fosse a de que ele sofrera lavagem cerebral, seus superiores poderiam considerá-lo inapto para o trabalho. De outro lado, se ficasse confirmado que ele agira de iniciativa própria, seria caracterizado o abandono de emprego. Mas Mulder não queria desistir sem antes tentar, afinal seu futuro dependia disso. Skinner agendou uma consulta psiquiátrica e comunicou a seus superiores o retorno de Mulder. Tudo ocorreria em pouco tempo. Poucas horas separavam Mulder de seu futuro. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Erik deixou Skinner e Mulder conversando e ligou para Scully. Ele sabia que, assim que comunicasse o retorno dele, Dana iria ficar menos revoltada. Mas ele estava errado. Scully, após a partida de Mulder, se conformara com a situação. Estava contente que ele estava bem, mas não gostava de pensar em estar do lado dele. Ele não era o mesmo e ela não tinha intenção de reaprender a conhecê-lo. Ainda mais vendo seu rosto todos os dias e lembrando-se de como ele era. Ela não disse isso a Erik mas conforme ele notara, seu desconforto era bem grande. Os motivos dela jamais seriam entendidos por Erik, ou qualquer outra pessoa, ela tinha certeza. Scully havia se acostumado a trabalhar com Erik e não desejava perder isso. Desligou o telefone, preocupada com os rumos que as coisas iriam tomar. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx E o rumo que as coisas tomaram significaram um novo início para Mulder. Significou também uma ruptura da parceria de Erik e Scully e uma situação em que dois parceiros que trabalharam tão bem durante anos, agora se encontravam como se fossem totais desconhecidos. Scully via Mulder com suspeição, exatamente como ele a vira a primeira vez que se encontraram. Mulder percebera, obviamente, a mudança em sua parceira. Na tão familiar sala no porão, trabalhavam, agora, dois desconhecidos e dois fantasmas rondavam a sala, examinando slides, sorrindo, conspirando, discutindo. Os fantasmas das pessoas que Mulder e Scully costumavam ser, e que, talvez, jamais se materializariam novamente. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Mulder e Scully já estavam trabalhando juntos haviam dois meses. Ele tentava ao máximo ser gentil, atencioso e jamais fazia qualquer comentário irônico. Trabalhava como ela sempre quisera. Seguindo as regras. Deixara teorias absurdas de lado, e se Scully lhe dissesse sua própria teoria ele a aceitava sem qualquer discussão. Scully não interpretava esses sinais como deveriam ser vistos. Ela não percebia que Mulder estava tentando tornar-se perfeito, para que ela o aceitasse. O que ela via era somente a confirmação de que havia perdido seu parceiro e amigo e que teria que aprender a gostar deste novo Mulder. Mas ela não conseguia. Mulder costumava rebater seus argumentos, eles tinham longas conversas sobre os casos que investigavam. Scully sentia falta dessas discussões. Mas não era só isso. Esse Mulder estava sempre quieto, jamais se aproximava dela. Não lhe dirigia a palavra a não ser que ela falasse primeiro. Scully havia conversado com Erik, praticamente implorando para que ele convencesse Skinner a mudá-lo de seção. Erik percebia que este pedido era um apelo desesperado, já que Dana não era do tipo de implorar nada a ninguém. Mas, mesmo Erik tentando interferir, Skinner não cedera. Para piorar a situação, duas semanas antes, Erik fôra transferido para New York e o afastamento dos dois, não somente físico como emocional, começou a ocorrer. Eles se falavam por telefone, mas o tópico era, invariavelmente, como fazê-la sair da seção X-Files. O que terminou por afastá-los definitivamente. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx "Bom dia, Scully. Temos um caso novo." Ela sequer olhou para ele. Ao contrário, seguiu para sua mesa e começou a organizar algumas pastas. "Você ouviu? É um caso muito interessante." "É mesmo? O que é? Algum caso de vampiros com dentes de plástico?" O sarcasmo era mais do que evidente. Isso magoou Mulder. Ele jamais pensara que ela usaria aquele caso antigo para rir dele. "Não. Na verdade é um caso bem normal. O seqüestro de uma mulher. Ela desapareceu durante cinco dias. Reapareceu agora." Scully havia tido a esperança de que fosse, de fato, um caso estranho. Homenzinhos verdes, lobisomens, qualquer coisa. Somente para ver em Mulder um lampejo de seu parceiro. "Sei, e porque é tão interessante?" "Porque ela voltou sem qualquer memória de sua vida. Ela não lembra de seu marido, filhos, nada. Mas lembra de todo o resto, do seqüestro, inclusive." "Talvez ela não queira se lembrar. O que você acha? Talvez o marido dela seja um perfeito idiota, a vida dela é uma chatice. Nem tudo é uma conspiração, Mulder." "Eu não falei em conspiração. Só acho tudo muito estranho. Ok, você tem razão, não há nada a ser investigado." Mulder voltou a sua mesa, segurando o arquivo sobre a mulher. Ele não ousava olhar para Scully. Tinha vontade de gritar, como havia gritado na casa de Rá. Mas agora isso não lhe era permitido. Ele continuava preso, como meses antes. Nada havia mudado, na verdade. Era um círculo vicioso e não havia como sair dele. Mulder já não sabia mais o que fazer. Ele sequer tinha outras opções. Agora ele já não tinha para onde voltar. Guardou a pasta na gaveta e voltou a fazer o que estava fazendo antes. Ou seja, nada. Scully se arrependeu por ter sido tão rude com ele. Mas ela, definitivamente, não gostava "dele". Ela já conseguia admitir esse sentimento para si mesma. Mas rezava para que não chegasse o dia em que diria isso para ele. Pareciam milhares de anos desde o tempo em que ela o via de outra forma. Naquela época ela teria notado o olhar triste dele. Teria percebido que ele não dormia ou se alimentava de forma adequada. Scully teria tentado ajudá-lo. Mas, agora, ela estava mais ocupada tentando lutar contra esse sentimento de raiva em relação a ele. Ela sabia que não devia sentir raiva. Ele não fizera nada de tão terrível. Mas Scully sentia que aquele homem era um intruso. O toque do telefone interrompeu o pesado silêncio que pairava na sala. Scully atendeu e após desligar se dirigiu a Mulder. "Skinner quer falar conosco." Ela não esperou que ele se levantasse. Mulder a viu sair da sala com tanta rapidez que parecia que Skinner havia anunciado que o prédio estava em chamas. Mas essas saídas dela já haviam se tornado tão rotineiras que ele não se assustava mais. Mulder saiu da sala, sentindo a fragrância de sua parceira pelo corredor. Ele teve a impressão de que, se tivesse que encontrá-la em meio à uma multidão, lhe bastaria somente seguir o suave perfume. Ao chegar na sala de Skinner a fragrância se acentuou. "Agente Mulder, entre. Eu já estava adiantando o caso à Agente Scully. Vocês devem viajar para Boston." "Qual é o caso?" "Uma família, cinco pessoas, está processando o Estado. Alegam que contraíram câncer através de sementes compradas do estoque do Governo." Um ótimo caso para Dana Scully. Mulder não pôde deixar de pensar que ela adoraria olhar o caso à luz de um microscópio. Após chegarem em Boston e interrogarem os membros da família, Mulder já tinha uma teoria sobre o que havia ocorrido. Segundo ele, o estoque não tinha nada a ver com a doença daquelas pessoas. Sua idéia era a de que, talvez, eles tivessem sido vítimas de uma abdução. Mas ele não podia dizer isso a Scully. Se, sem dizer o que pensava, ele já se sentia como um idiota, se o dissesse ela o olharia com maior desprezo. E a cada vez que isso ocorria ele morria um pouco. O que ele não sabia é que ela rezava para que ele dissesse justamente o que ele pensara. Seria como se ele começasse a voltar. Mas a esperança foi em vão. Durante os dois dias que se seguiram, Scully conseguiu somente descobrir que o câncer desenvolvido por aquelas pessoas não tinha qualquer explicação. Era uma fatalidade. De qualquer forma, não era culpa dos grãos ou sementes, conforme se verificou em laboratório. Scully estava decepcionada. Ela queria descobrir a razão daquele fenômeno, mas à luz da ciência não havia explicação. Aquelas pessoas morreriam sem saber, sequer, porque estavam morrendo. Ela se lembrou de sua própria doença e, enquanto Mulder dirigia em direção ao aeroporto, ela teve que lutar contra as lágrimas. Ela se lembrava de Mulder, que esteve sempre a seu lado, jamais desistindo de ajudá-la. A confiança que ela depositara nele no passado era tão grande quanto a confiança que ele tinha nela. Ao pensar nisso ela se deu conta que havia desistido dele com muita facilidade, e sem um bom motivo. Nem mesmo Erik, que mal conhecia Mulder, agira dessa forma. Ela notou que não podia deixar que as coisas continuassem desse jeito. Mulder seria capaz de ir ao inferno para resgatá-la. E ela lhe devia isso. "Mulder, pode parar o carro?" "O que houve?" "Eu quero conversar com você." "O avião, não podemos perder..." "Mulder, por favor, pare o carro." Ele obedeceu, apesar de estar apavorado com a conversa que teriam. Ele tinha medo que ela lhe dissesse que não o suportava mais, que o odiava, até. Ele sabia que ela sentia isso, mas, ainda assim, ele tinha medo de ouvir isso em alto e bom som. Mulder resolveu acabar com aquilo o quanto antes. "Você me odeia. É isso, não é, Scully? "Não, Mulder. Você sabe que não." "Eu não sei. Você não parece muito contente comigo. Está sempre pedindo a Skinner prá ser transferida." "Mulder, eu quero ser transferida justamente porque não quero te magoar. Não está sendo fácil trabalhar com você." "Porque? O que exatamente você quer que eu faça? Eu venho concordando com você o tempo todo. Investigamos somente os casos que você quer! Não sei mais o que fazer, Scully!" "É exatamente isso. Você mudou tanto. Eu não sei lidar mais com você e não gosto do que você é agora." Mulder segurou o volante com força e desviou o olhar para a janela. Ele estava a ponto de chorar, e não queria fazer isso na frente dela. "Bem, Scully, pelo jeito você vai ter que me suportar ou se demitir. Escolha, ok? Porque eu não me importo!" Ele sabia que a agressividade não resolveria qualquer problema, mas ouvir Scully dizer que o detestava estava começando a corroê-lo por dentro. Ele disse aquelas palavras como um mecanismo de defesa. Ele estava defendendo a própria vida. Scully ficou em silêncio. Ele colocou o carro em movimento e eles não trocaram qualquer palavra até chegarem ao destino. As semanas seguintes foram bem diferentes dos meses anteriores. Mulder deixara de tentar reconquistar sua parceira. Chegava cedo ao trabalho e fazia o que tinha que ser feito. Ele adoraria somente ter um caso nas mãos, para, dessa forma, ocupar sua mente e não ter que passar horas desconfortáveis com ela. Scully, logicamente, notara essa mudança. E até mesmo se sentiu mais confortável, já que, ao contrário do que ele vinha fazendo antes, Mulder parara de ficar olhando para ela como se ela fosse o Presidente em visita especial ao porão. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Novamente, Skinner foi o responsável por romper a rotina. A Seção de Crimes Violentos havia pedido a ajuda de Mulder para resolver um caso complicado. Não era um caso de assassinato, ainda. Três crianças haviam sido seqüestradas. Os três meninos tinham a mesma idade e se pareciam muito. As circunstâncias dos seqüestros tinham sido parecidas, também. Mulder, examinando o caso, notou outras similaridades, como o fato de todos os meninos virem de famílias católicas. A ligação entre as vítimas acabava aí, mas era suficiente para fazer pensar que os seqüestros tinham sido praticados pela mesma pessoa. Mulder entregou-se, completamente, na tarefa de traçar o perfil do seqüestrador. Enquanto Scully conversava com os pais das crianças, Mulder buscava entre os suspeitos aquela característica que o levaria a conclusão do caso. Ao final de dois dias, no entanto, Mulder, sem dormir ou comer adequadamente, ainda não havia chegado a qualquer conclusão. Ele imaginara que o seqüestrador era uma mulher, solteira, que devia ter entre quarenta e cinqüenta anos, católica, e sem filhos. O fato de não terem sido encontrados os corpos das crianças e não ter havido pedido de resgate, levava Mulder a acreditar que a mulher seqüestrava as crianças somente para tê-las por perto. Talvez o filho que nunca tivera. À medida que os dias passavam, e poucos avanços eram feitos, mais Mulder tentava entrar na mente do seqüestrador ou seqüestradora. Se, no passado, ele tinha tido, sempre, Scully por perto, que não o deixava escorregar para o vácuo que representava a mente do criminoso, agora ele se via dentro daquele vazio, sem um ponto de referência que o guiasse de volta. A reviravolta ocorreu exatamente dez dias após eles terem começado as investigações. Um dos meninos aparecera morto. O corpo delicado estava sem ferimentos, depositado de forma cuidadosa ao lado de uma igreja. Quando Mulder e Scully chegaram ao local onde estava o corpo, a polícia tentava manter os curiosos afastados. Mulder seguiu sem hesitação em direção ao pequeno corpo, agora coberto. Scully seguiu seu parceiro. A visão da igreja, tão modesta quanto solene, destoava do horrendo crime que ocorrera sob sua sombra. Mulder se abaixou e retirou a coberta que protegia o rosto do menino. Ele não sabia se o cobertor servia para proteger a jovem vítima dos olhares curiosos ou se, mais certamente, protegia os vivos de encararem a morte, como se o simples fato de esconder os mortos afastasse as pessoas do desconhecido. O rosto do menino estava pálido. Os olhos fechados, como também a boca. Se Mulder não soubesse, com antecedência, que o garoto estava morto, teria, certamente, levado o menino para o hospital. Ele tocou o rosto de mármore, e não pôde deixar de compará-lo com os anjos de mármore que ornavam as igrejas. Mulder sentia vontade de guardar consigo aquele anjo. Ele sabia, no entanto, que aquela era a vontade do seqüestrador, agora assassino. Quando a ambulância deixou o local, silenciosamente, levando consigo o pequeno anjo, Mulder foi em direção à Scully. "Scully, acho que ela vai matar as outras crianças em breve, e talvez esconda os corpos." "Como tem certeza? Aparentemente não houve violência. A criança pode ter morrido por causas naturais." "Causas naturais? Desde quando morrer aos oitos anos é natural? Ele foi seqüestrado, se estivesse em casa estaria vivo." "Mulder, você sabe o que eu quis dizer. Ele pode ter morrido por asfixia ou por negligência. É provável que o seqüestrador não quisesse a morte do menino." "Ok, vamos esperar a autópsia." Scully não respondeu. Não tinha argumentos para continuar a discordar dele. O melhor era fazer a autópsia. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Mulder se sentia cansado. O caso avançava a passos lentos. A conclusão da autópsia fôra de que o menino morrera devido ao uso excessivo de tranqüilizantes. Scully estava certa, portanto. A seqüestradora, com certeza, havia dopado o menino. A dose errada havia provocado a morte. Mas havia algo mais. Mulder se lembrava do rosto do menino, do modo como ele havia sido deixado, como se estivesse dormindo. Talvez a seqüestradora, em sua loucura, quisesse somente que os meninos dormissem, como anjos. Mas as discussões com Scully a esse respeito haviam sido infrutíferas. Ela não concordava com ele. Scully estava convencida de que, em breve, as crianças seriam localizadas. Mulder sentiu falta do tempo em que, mesmo discordando dele, Scully confiava nos seus instintos, não se colocando contra ele como vinha fazendo. Após mais um dia de espera por novidades e de discussões intermináveis com sua parceira, Mulder estava mais do que cansado. Havia conseguido comer um sanduíche que havia pedido por telefone. Agora estava sentado, sozinho, em seu escritório, com o relatório do caso nas mãos e nenhuma solução. Ele, por alguns instantes, desejou estar no lugar daquele menino, sem qualquer preocupação, temor, tristeza ou cansaço. Mulder não queria morrer, ainda não havia chegado a esse ponto, mas queria se enroscar em algum lugar escuro e dormir por dias, sem ser perturbado. A medida que relaxava, Mulder, mais e mais, se deixava levar pelo cansaço. Seus olhos mal se mantinham abertos. Ele queria tanto poder desistir. Deixar seus dilemas, problemas e preocupações para qualquer outra pessoa. Ou somente dormir por algumas horas. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx A sala estava escura, e ele sequer se lembrava de ter apagado a luz. Ao mesmo tempo, no entanto, que ele era incapaz de ver qualquer objeto a sua frente, ele também sentia como se soubesse onde estava cada folha de papel, cada móvel, cada objeto de seu escritório. Durante anos ele havia, praticamente, vivido dentro daquela sala. Assim, não era surpresa para ele se mover na mais completa escuridão. E assim o fez. Mulder levantou-se e foi em direção à porta. Mas ele estava cansado. Ele tentou forçar mas não conseguia sequer girar a maçaneta. Havia algo muito errado. Ele tentou acender a luz, mas o interruptor havia, simplesmente, desaparecido. Mulder começou a se sentir como um prisioneiro, ou como se todos tivessem ido embora e esquecido dele lá dentro. Mas ele sabia que Scully não o deixaria lá. Ela o encontraria, mesmo que demorasse a notar a falta dele, ou a se importar com isso. Ela sempre o encontraria. Ele confiava nisso com a própria vida. Não importava quais problemas os dois tivessem, eles sempre podiam contar um com o outro. Claro que ultimamente eles não deixavam esse sentimento bem claro, mas Mulder sabia que isso fazia parte dos dois. A medida que o tempo passava, a escuridão se tornava ainda mais densa, o silêncio quase palpável. Mulder começou a sentir seu corpo pesado. Quase como se afundasse na lama. Mas não havia lama embaixo dele. Somente o vazio. A realização de que se tratava de um sonho veio em seguida. Não era um sonho, no entanto, mas sim o maior de seus pesadelos. Nunca, quando havia tido outros pesadelos, Mulder havia se sentido tão só. Sempre, em seus sonhos, haviam outras presenças, Samantha, seu pai, Scully. Mas nesse momento não havia ninguém. Nem mesmo a presença onírica de um assassino lhe fazia companhia. Mulder estava sozinho consigo mesmo e sequer podia ver a si mesmo na escuridão. Por segundos ele pensou que já, sequer existia. Ele não passava de uma ilusão de si mesmo. Como um ator que representa somente para si mesmo, e que por isso não pode ser considerado um ator. O vazio e a escuridão já o engoliam completamente. O enorme silêncio abafava sua voz. E ele tentava gritar mais alto que o silêncio, o que, nesse estranho mundo, havia se tornado impossível. Cansado, finalmente, de lutar contra forças maiores do que ele, Mulder fechou os olhos para a escuridão, não sem antes imaginar Scully entrando na sala escura e acendendo a luz, tirando-o daquele tormento. Aquela esperança o acalentou antes de seus pensamentos cessarem completamente. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Após ter realizado a autópsia, Scully não ficara satisfeita com os resultados. Apesar de ter sido encontrada uma certa dosagem de tranqüilizantes no corpo da criança, Scully suspeitava que isso não teria sido suficiente para causar a morte. Uma análise mais apurada levou Scully à solução. Juntamente com o tranqüilizante, havia sido administrado um veneno, que causava a paralisia de todos os músculos voluntários. Ela já havia visto este tipo de toxina antes. Seu uso não causava a morte, por si só, mas, provavelmente, naquele caso, dada a mistura com os tranqüilizantes, isso havia sido o suficiente para levar a criança à morte. Mas porque aplicar tranqüilizantes e a toxina? A resposta era somente uma. Mulder estava certo. A seqüestradora queria transformar aqueles meninos em estátuas, ou em pequenos anjos. Talvez, em sua loucura, ela achasse que podia mantê-los daquela forma para sempre. Mas ela havia falhado. O menino havia morrido. E se havia falhado uma vez poderia acontecer de novo. Eles tinham que agir rápido. Scully pesquisou tudo o que podia encontrar sobre o veneno e conseguiu descobrir que ele era utilizado, experimentalmente, em um laboratório, em Washington. A pista levou imediatamente à localização de Louise Easter, católica, de família tradicional, solteira e sem filhos, que trabalhava no laboratório desde setembro, um mês antes do primeiro desaparecimento. Scully não parava de se culpar por não ter confiado em seu parceiro. Mesmo tendo passado por tudo o que passou ele ainda era a mesma pessoa. Somente ela não via isso. Mas por sorte, ela tinha chegado a essa conclusão ainda em tempo. Em menos de uma hora Louise estava presa, tendo dito onde estavam as outras crianças. Scully respirou aliviada ao saber que haviam encontrado os outros meninos e que eles estavam bem, apesar de dopados. O interrogatório da mulher não estava levando a nada, no entanto. Ela não dizia nada além do que eles já sabiam e, tendo sido encontradas as crianças, não havia nada mais a ser questionado. Antes de ser levada embora, entretanto, Louise disse em tom de confidência a Scully. "Eles queriam dormir. Eu queria que eles descansassem. Cabe a você deixá-lo dormir. Eu dei o remédio a ele, agora deixe ele descansar." "Quem?" Scully tinha medo de que alguma outra criança ainda estivesse desaparecida. Ouvir aquelas palavras vindas daquela louca fizeram Scully ficar furiosa. "Quem!?" Mas a mulher não respondeu. Ao contrário, começou a se debater e gritar, sendo levada embora em seguida. Scully deixou a sala de interrogatório preocupada. Se havia alguma outra vítima eles tinham que agir rápido. Agora ciente que Mulder saberia, como antigamente, achar a solução, ela seguiu para seu escritório. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Quando Mulder abriu os olhos novamente, viu a porta se abrir de forma totalmente absurda, como se se abrisse quadro a quadro. Em câmera lenta. Ao contrário, no entanto, do que acontecia com a porta, Mulder não se movia lentamente. Mesmo assim, por alguma razão, ele estava preso a sua cadeira e seus movimentos se restringiam a seus braços, olhos e boca. Ele tentou falar algo, mas sentia como se estivesse falando debaixo d'água. Quando a porta, finalmente, parou de abrir, Mulder viu a silhueta de alguém entrando na sala. Após uma eternidade ele pôde ver que se tratava de Scully. Ele começou a agitar as mãos em direção a ela, em um claro pedido de socorro. Mas ela se movia tão lentamente que sequer havia dirigido o olhar a ele, ainda. Mulder se sentia cada vez mais cansado pelo esforço de tentar chamar a atenção dela. Parou de se agitar, como que tentando recuperar as energias, para o momento em que ela olharia para ele. Ainda assim tentava falar com ela. Nem ao menos sabia o que dizia. Somente gritava o mais alto que podia. Mas isso também parecia inútil, já que nem mesmo ele ouvia a própria voz. Quando, finalmente, Scully olhou para ele, Mulder não conseguiu encontrar o seu olhar. A escuridão havia, novamente, tomado conta de tudo. Suas palavras desapareceram, e seus movimentos cessaram. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Scully havia seguido para o escritório esperando encontrar Mulder lá. Quando ela entrou na sala e viu Mulder sentado com uma estranha expressão no rosto, ela achou que ele estava acordando de um sono profundo. Ela se aproximou, tentando ouvir o que ele repetia sem parar. Era sempre a mesma frase, e assim que Scully entendeu o que ele dizia, Mulder calou-se. Scully somente teve tempo de correr em direção a ele e amortecer sua queda. Ele não respirava. Estava gelado, e não se movia. Ela chamou os paramédicos imediatamente e iniciou os procedimentos de emergência. Em minutos ele estava a caminho do hospital. Não demorou muito para que isolassem o veneno. Scully não tinha idéia de como ele havia ingerido o veneno, mas isso era o que menos importava. Ele havia ficado sem respirar por diversas vezes, durante o trajeto para o hospital. Seu coração havia parado de bater três vezes. Scully se preocupava se ele havia sofrido danos cerebrais. Mas, no momento, ele estava inconsciente e ela teria que aguardar para saber o seu real estado. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx Mulder acordou lentamente. Esperando encontrar a escuridão foi surpreendido pela luz intensa. Somente isso já o fazia sentir-se bem melhor. E ele se sentia, de fato, muito bem. A porta a sua frente se abriu lentamente, mas não da mesma forma absurda que ele havia presenciado em seu escritório. E, novamente, era Scully que atravessava a porta. Dessa vez ela o viu imediatamente e ele estava aliviado por não precisar gritar para chamar sua atenção. "Oi Mulder. Como se sente?" Ela perguntou sorrindo, já notando que ele estava bem. Bastava olhar para ele para perceber que tudo estava bem com ele. "Bem.....Scully ....Obrigado." "Porque?" "Por ter me ouvido. Eu pensei que você não me escutava." "Mulder, você estava falando bem baixinho. Na verdade eu mal te ouvia." "Estranho, eu tinha a impressão de estar gritando o tempo todo." "Acho que você estava mesmo gritando, mas eu não conseguia te ouvir. Desculpe." "Mas você ouviu, Scully" "Não, Mulder. Você não entende. Durante esse tempo todo eu não quis escutar você. Eu só te ouvi quando você estava quase morrendo." "Vamos esquecer isso tudo, ok?" "Claro, Mulder. Vamos voltar aos velhos tempos." "Perfeito prá mim, parceira." "Ótimo, então descanse porque Skinner tem um novo caso para nós." "Algo estranho?" "Não sei, mas quem sabe não é temporada de caça a vampiros?" "Só aceito casos verdadeiros, nada de dentes de plástico dessa vez, Scully." Ela sorriu ao lembrar-se do antigo caso que eles haviam investigado. "Ah, Scully, quando eu estava no escritório, tentando te chamar, o que eu falava? Eu lembro que eu tentava dizer algo importante mas não lembro o que eu disse." "Você disse que confiava em mim." "Então eu não estava tão inconsciente assim. Eu confio mesmo." Fim