Título: Lógica Aplicada Autora: Claudia Modell Sinopse: Mulder e Scully ficam presos em um mega engarrafamento, o que faz com eles resolvam conversar sobre as decisões que tomaram em suas carreiras. E-mail: claudia@subsolo.org Homepage: http://subsolo.org Disclaimer: Os personagens dessa história foram criados por Chris Carter, 1013 e Fox Company. Lógica aplicada Já passavam das três horas da tarde e eles ainda estavam presos naquele trânsito infernal, a apenas uns dois quilômetros do aeroporto no qual haviam chegado uma hora antes. Era inacreditável que eles estivessem mais tempo na estrada do que haviam passado dentro do avião. Mulder estava cada vez mais irritado, o calor não ajudava nada em melhorar seu humor. O ar-condicionado do carro não estava funcionando e ele sentia que sua gravata estava se tornando sua maior inimiga naquele momento. Com um movimento brusco ele retirou a gravata que o incomodava. Scully saiu de sua letargia, na qual havia se afundado desde que começara a desconfiar que jamais chegaria em casa, jamais tiraria todo o suor que se acumulava no seu corpo, jamais se livraria daquele calor insuportável. As janelas do carro somente serviam para trazer para dentro o ar abafado da tarde de segunda-feira. O horizonte era praticamente invisível, face a torrente de carros à frente. O cenário era ainda mais ameaçador devido à presença das nuvens que se acumulavam ao longe, negras e gordas, se preparando para lançar toda a fúria sobre os pobres seres humanos acumulados em suas gaiolas de quatro rodas. Eles nada diziam. Ela estava zangada por estar naquela situação e ainda mais sabendo que a viagem que haviam feito tinha sido inútil. Mais um caso de paranormalidade que havia se revelado uma fraude. Mas, na verdade, desde quando ela havia aceitado qualquer dos casos que investigavam como uma realidade incontestável? Scully afastou esses pensamentos. Já estava irritada o suficiente por causa do calor e não queria começar a se irritar com suas escolhas pessoais. Isso seria injusto, já que ela não costumava se questionar dessa forma. Com um suspiro ela se virou para seu parceiro. O suor descia por sua têmpora, escorria por todo o rosto. Ele parecia tão frágil, magro, e cansado. Devia estar mais decepcionado com os rumos da investigação que fizeram do que ela própria. Um trovão interrompeu seus pensamentos. - Mulder - Não! Não precisa dizer nada, ok? - Eu não ia dizer nada, só estava querendo conversar. - Ok, desde que a gente não converse sobre a furada que foi essa investigação, ou o calor que está fazendo, ou a chuva que vai desabar daqui a pouco. Certo? Ela não respondeu. Ela não tinha intenção de tocar em nenhum daqueles assuntos, mas a irritação dele, junto com a dela, a fez repensar e decidir continuar a contar os carros a sua frente, as árvores ao longe. O tempo. Essa era uma daquelas poucas vezes em que o tempo contava menos que o espaço. Não adiantava o tempo passar mais rápido, a noite chegar. Eles irremediavelmente estariam presos naquele engarrafamento. Mulder queria que a chuva caísse logo, para refrescar o ambiente. Mas, caso isso acontecesse, eles teriam que fechar as janelas, e estariam presos dentro de um carro abafado e com os vidros embaçados. Um novo trovão, desta vez bem mais forte, estremeceu o carro. As grossas nuvens agora se moviam com mais rapidez, em direção a eles. Mulder se aventuraria a teorizar sobre isso, a alegar que a nuvem havia criado vida própria. Mas ele não estava com o humor apropriado para isso. - Acha que se a gente sair do carro e simplesmente ir andando até a cidade, a gente conseguiria chegar antes do anoitecer? - Claro, Mulder, a gente só precisa abandonar o carro, atrapalhando a vida de um monte de gente. Depois nós teremos que rezar para que nenhum raio nos atinja, e enfim teremos que caminhar horas antes de chegarmos à cidade. Ótima idéia. Vai você primeiro, ok? - Era só uma pergunta hipotética. Mulder respondeu, resmungando. As nuvens agora estavam sobre os carros, sobre suas cabeças, literalmente. Ele se sentia como um personagem de desenho animado que carrega sua própria nuvem de desgraças. Pelo tamanho da nuvem ele podia dizer que, na verdade, não era somente ele que carregava a nuvem. Scully também tinha um pedaço enorme de nuvem só dela. - Eu costumava ver formas de bichos nas nuvens quando era pequeno. - E eu costumava ficar em casa em dias assim e não no meio de uma estrada, cercada de carros por todos os lados. Bem, ela realmente estava irritada. Melhor não conversar sobre amenidades. Um terceiro trovão trouxe consigo grossas gotas de chuva, que faziam barulho no teto do carro, como se fossem pedrinhas caindo do céu. Mulder antecipou, ao máximo, o momento de fechar os vidros do carro. Mas, eventualmente, a chuva começou a incomodá-lo. Felizmente, a água abaixou, consideravelmente, a temperatura. O céu era, constantemente, iluminado por raios, seguidos pelos trovões ensurdecedores. Era assustador. Scully parecia assustada, também. Bem, somente um tolo não se assustaria com aquele espetáculo. O dia tinha praticamente dado lugar à noite. A chuva caia em profusão, os trovões e raios dominavam não somente o ambiente como a mente deles. Não os deixava pensar, falar, ou ver um metro a frente do carro. - Certo, não é uma boa idéia tentar ir a pé. - Você não estava realmente pensando nisso, não é Mulder? - Bem, não seria uma má idéia, pensa bem. - Seria uma péssima idéia, Mulder! Seria arriscado. - Você vem me falar de riscos? Nós estamos sempre correndo riscos! - Mas não por uma bobagem. Existem bons motivos pros riscos que nós corremos. - Que bons motivos, Scully? Tudo bem, eu tenho bons motivos, mas quais são os seus? - Por menos que você acredite, são os mesmos que os seus. Você realmente não acredita, que eu quero trabalhar com você, que eu quero correr os riscos que nós corremos, que é uma decisão minha. - Não é uma decisão muito lógica, sabia? Ele sempre esteve intrigado com esse assunto. O que a levava a seguí- lo, se ela não compartilhava suas crenças? O que a mantinha ao lado dele, quando ela havia já perdido tanto com isso? Scully ficou em silêncio. Ele não entendia seus motivos. Não entendia que ela confiava nele, e por isso confiava que os motivos dele por uma busca, talvez para ela, insensata, eram suficientes para que ela simplesmente o seguisse. - Mulder, talvez eu nunca tenha dito isso para você antes. Eu gosto do que eu faço, gosto do meu trabalho. Gosto de trabalhar com você e não importa o que eu acredito, eu vou continuar gostando disso. - Mas você já disse uma vez que queria ter uma vida normal e não continuar com essa busca sem fim pela verdade. - Sim, mas eu continuei, não foi? Não acha que isso é prova suficiente de que eu quero continuar a fazer isso? Quero continuar a trabalhar com você? Se eu quisesse desistir de tudo eu já teria feito isso. - Continua não sendo muito lógico. - Mulder, que lógica você usa para ter esperanças de encontrar sua irmã? Que lógica você aplica quando alega ter visto um vampiro, ou que lobisomens existem? - Bom, não é uma questão de lógica. Eu só acredito. Só isso. - Então é isso, eu somente acredito em você do mesmo jeito que você acredita nos seus monstros. A diferença é que eu acredito em você e não nos monstros. Ele se calou. A chuva continuava forte, e não parecia que ia diminuir tão cedo. As gotas de chuva no teto do carro, marcavam a passagem dos segundos. Até que começaram a marcar a passagem dos minutos, e enfim, deixaram de cair. Os carros voltaram a andar. Mulder abriu os vidros e uma brisa entrou, trocando o ar abafado por um cheiro de terra quase sufocante. Em pouco tempo, o vento soprava dentro do carro, que andava já mais veloz. Era gostoso sentir o vento secando o suor, o cabelo balançando com o ar frio. Scully recostou a cabeça no banco e fechou os olhos. Ouvia somente o vento que soprava. Mulder dirigia em silêncio, e agora seu rosto já não parecia mais tão cansado, ou frágil. Estranhamente, Scully quis que esse momento não acabasse. Chegar em casa já não era a coisa que ela mais queria. Mas isso tinha lá a sua lógica, mesmo que ninguém entendesse isso. Fim