Título: Jack Autora: Claudia Modell Sinopse: Um serial killer resolve brincar de gato e rato com Mulder. E-mail: claudia@subsolo.org Categoria: Drama Homepage: http://subsolo.org Disclaimer: Os personagens dessa história foram criados por Chris Carter, 1013 e Fox Company. Jack Parte I - Jack in the Box Seus olhos eram negros, tão escuros que era impossível distinguir suas pupilas. Se os olhos eram as janelas para a alma, então elas estavam fechadas e a alma de Jack se encontrava oculta aos olhares dos curiosos. Ou, talvez, Jack nem ao menos tivesse uma alma. Às vezes achava que, de fato, não a tinha, ou que talvez ela estivesse passeando em alguma cidade etérea, deixando para trás seu corpo. Na verdade, Jack não sabia se necessitava desse acessório. Tinha tudo o que alguém poderia querer. Beleza, elegância, cultura, um bom emprego. Sabia se mover na sociedade que tentava ignorar. Jack, realmente, tinha orgulho de sua aparência bem cuidada, de suas roupas sempre na moda, apesar do estilo casual. Gostava de impressionar as pessoas com seus modos. Era sempre gentil, tinha sempre uma palavra amiga para seus colegas de trabalho, apesar de não manter qualquer relacionamento de amizade com quem quer que fosse. Os esforços que fazia para ter boa aceitação, no entanto, nada tinham a ver com formação de eventuais vínculos. O único interesse de Jack era ter sobre si os olhares de admiração que, com certeza, lhe eram direcionados cada vez que, com sua voz mansa, dizia bom dia para seus colegas. Mas o que mais achava divertido era saber o quanto aquelas pessoas se enganavam a seu respeito. Se pudessem ver através de seu belo rosto e largo sorriso, o que realmente se escondia em seu interior, aquelas mesmas pessoas fugiriam assustadas. Se soubessem tudo o que havia feito em seus vinte e oito anos de vida, ninguém sequer se aproximaria. Jack ria da ingenuidade de seus colegas e, às vezes, tinha vontade de desafiá-los. Não se lembrava de alguma época de sua vida que fosse diferente do que era. Seu pai havia morrido quando Jack tinha quatro anos, e, mesmo não tendo irmãos ou irmãs, não havia sofrido com a perda. Sua mãe era uma mulher muito fechada, tanto com Jack quanto com outras pessoas. Além disso, Jack desconfiava que ela sofria de paranóia. Até o modo como ela olhava para as pessoas confirmava essa sua desconfiança. A ironia era que ela confiava em Jack. Não havia carinho no relacionamento, nem mesmo lhe dava atenção, mas via-se que ela confiava na criança. Talvez, no fundo, ela soubesse o que Jack era realmente, e se mantinha afastada sabendo que não faria nada contra ela, por depender financeiramente dela. E, de fato, Jack jamais representara uma ameaça para a mãe, até o fim de seus dias. Jack soube da morte de sua mãe através do advogado da família, um ano antes. Barbara Martin Ray havia morrido placidamente e tão silenciosamente quanto havia vivido, deixando uma pequena herança para Jack e não havia tomado conhecimento da herança de sangue que recebia em troca. Jack, intimamente, queria que, com a morte, a mãe soubesse tudo o que fizera. Enquanto mal prestava atenção à TV ligada, lembrou-se de sua infância. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx Era uma manhã de sol, na pequena cidade onde havia nascido, quando a professora encaminhou seus alunos para brincarem no jardim. Jack, como sempre, preferiu ficar na sala, tentando desvendar, o mais rapidamente possível, os mistérios contidos nos símbolos impressos. Jack havia começado a escola na mesma época que as outras crianças de sua idade, mas, ao contrário delas, não havia tido uma ajuda inicial em casa. De fato, antes de começar a freqüentar as aulas, jamais havia, sequer, visto um livro infantil, o que diria uma cartilha. Sua mãe não tivera tempo ou interesse em ajudar a criança. Assim, logo nas primeiras semanas de aula, Jack se isolara das outras crianças. Mesmo aos seis anos de idade, tinha muita vaidade e não gostava da idéia de ser diferente dos outros. Podia ouvir seus colegas rindo lá fora. Jack sabia que riam porque estavam brincando, mas uma sensação cada vez mais opressiva lhe dava a estranha convicção de que riam às suas custas. Afastou essas idéias e continuou lendo os símbolos que insistiam em não dizer o que significavam. Mas os risos haviam se transformado em ruidosas gargalhadas e, cada vez mais, a sensação de que as gargalhadas lhe eram dirigidas aumentava. Jack resolveu que aquilo iria ter troco. Ainda não sabia o que fazer. Talvez rasgasse todos os livros. Não, isso não seria o suficiente. Foi quando viu Polly. O coelho de pelagem fofa e alva estava quieto em sua gaiola, alheio às intenções que se insinuavam na mente da criança. Mesmo que Polly soubesse o que Jack pretendia, ele nada poderia fazer para impedir a criança. Foi, então, em direção à gaiola e pegou o coelho carinhosamente. Gostava da sensação do pelo macio do coelho. Levantou o animal até a altura de seu rosto e o encarou com firmeza. Se divertiu ao ver que o coelho sequer imaginava o que iria lhe acontecer. Somente Jack sabia disso e não tinha intenção de contar isso para sua vítima. Queria que o coelho sofresse, sem saber o que o havia atingido. Segurou o animal pelas orelhas e olhou ao redor. Não haviam facas na sala de aula, e os únicos objetos capazes de causar qualquer dano ao bichinho eram suas próprias mãos. E seus pés. Começou a sacudir o coelho até que o animal sequer se movesse mais. Em seguida o jogou contra a parede. Ao cair no chão, Polly foi pisoteado repetidas vezes e cada vez com mais força. O sangue saía do focinho, dos olhos e das orelhas do coelho. Jack se encontrava em um estado de êxtase total. Sentia como se não comandasse seu próprio corpo. A sensação que tomou conta da criança, somente pôde ser apreciada como puro prazer erótico anos depois. A criança crescera e terminara seus estudos de forma exemplar. Já quase não se lembrava do incidente com o coelho, mas agora, aos dezoito anos, sentia seu corpo tremer de prazer ao lembrar da cor viva do sangue no chão, da mistura de prazer e raiva que tomou conta de seu corpo naquele dia. Nunca mais havia feito nada do gênero novamente. Com dificuldade havia se livrado do corpo sem vida do coelho e não pretendia correr riscos desnecessários. Mas a vontade de reviver aquelas sensações estava se tornando cada vez mais forte. A escola havia ficado para trás. Jack estava com as malas prontas para estudar em uma faculdade em Washington. Após muito pensar, decidira que sairia da cidade deixando atrás de si um mistério. O corpo de James DeMoine foi encontrado somente uma semana depois da partida de Jack. Um corte profundo na jugular do balconista de 1,80 de altura e 70 quilos, havia feito todo seu sangue jorrar em profusão, encharcando o chão de terra. A polícia não tinha suspeitos ou interesse. James tinha tido sido preso diversas vezes, principalmente por suspeita de ter molestado crianças. O caso foi arquivado e a cidade voltou a seu ritmo normal e pacato. Jack seguiu rumo a seu destino, carregando consigo as lembranças vívidas da surpresa estampada no rosto de sua vítima. Revendo agora seu passado, se lamentava da falta de desafio em suas ações. Desde que chegara a Washington já havia cometido quatro homicídios e a polícia sequer imaginava que havia um serial killer. A escolha de suas vítimas talvez não fosse a melhor. Sempre pessoas problemáticas, assassinos, estupradores, pedófilos. Jack não gostava da humanidade em geral, mas detestava ainda mais o que, internamente, classificava de sub-raça. Em sua estranha moralidade, achava ser o único ser capaz de fazer as pessoas sofrerem. Quem tomasse seu lugar nesse jogo seria eliminado. Além disso, tinha consciência de que, caso a polícia chegasse perto o bastante, a sociedade ficaria do seu lado. Jack somente fazia o que muita gente sequer admitia pensar querer fazer. Desejava, no entanto, um desafio. Tudo o que precisava era um oponente a sua altura. Alguém que fosse inteligente e perspicaz o bastante para conseguir ver através da neblina que havia criado. Mas, antes, teria que conhecer seu oponente. Se tornar seu braço direito, para poder ter a mágica sensação de estar sempre um quilômetro a sua frente. O plano estava sendo traçado. Tudo agora dependia dos jogadores. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx Parte II - Jack in the Game -Mulder, ele vai te matar! -Tenha um pouco mais de fé, Scully. Ninguém vai descobrir nada, muito menos o Skinner. -Mas se ele descobrir, Mulder, você pode ter certeza de que ele não vai te deixar sair dessa facilmente. Aquela discussão já vinha durando horas. Fox Mulder se sentia cansado mas não queria desistir. O fato era que ele havia conseguido acesso, ilegal, é claro, a diversos documentos que eram considerados confidenciais. O que mais irritava sua parceira, Dana Scully, era que nada do que havia nos documentos poderia vir a ser de interesse nos arquivos X. Para dizer a verdade, nem mesmo haviam indícios de qualquer atividade ilícita. Ela disse isso a ele em alto e bom som, mas Mulder estava irredutível. Havia encontrado o caminho para fuçar nos antigos arquivos do FBI e não seria sua parceira que o impediria. -Scully, se não há nada de ilegal nesses arquivos, então não vejo quais problemas poderiam ser criados. Eu só quero examinar tudo isso. -Mulder, isso é insubordinação. Você sabe disso! Não tente se fazer de inocente! -Ok, se você não quer se envolver pelo menos não conte nada a ninguém. -Você sabe que eu não diria nada. Mas não quero que você se meta em alguma encrenca. -Juro que só vou examinar alguns arquivos e depois esquecer tudo isso, ok? -Certo, Mulder. Já vi que não adianta mesmo discutir com você. Scully havia desistido, mas somente porque havia tido uma idéia. Se Mulder tivesse um arquivo X nas mãos, ele deixaria essa história de lado. Tudo isso havia começado porque ele estava entediado. Ela falaria com seu chefe, Skinner, sem revelar seus motivos, no entanto. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx Quando Scully entrou no escritório de Skinner, percebeu que já vinha sendo aguardada. Juntamente com ele havia um homem, mais jovem que o Diretor Assistente e com uma aparência bem mais sombria, se é que isso era possível. -Agente Scully, por favor entre. Esse é o Chefe de Seção John Edward. Ele gostaria de conversar algumas coisas com você. -Boa tarde. Mas é somente comigo? E o Agente Mulder? -Somente com a senhora. Como eu já estava falando com o Diretor Skinner, eu gostaria de lhe colocar a par de algumas decisões. Scully não estava gostando do tom da conversa. Alguma coisa lhe dizia que quaisquer decisões que tivessem sido tomadas, eram irreversíveis. -Pois não? -A senhora está sendo transferida para Quantico, por tempo indeterminado. Isso não era, de forma alguma, o que ela esperava. A parte a última indiscrição de Mulder, eles não tinham feito nada para serem punidos. -Senhor, posso saber o motivo dessa decisão? -Nenhum motivo em especial, Agente Scully. A academia precisa de sua experiência, e a seção onde a senhora e o Agente Mulder trabalham não tem tido muitos casos. Assim será desativada. Ela havia pensado que as más notícias haviam terminado, mas essa última afirmação a surpreendeu. Estavam, simplesmente, fechando os arquivos X. E Mulder sequer havia sido avisado. Scully olhou fixamente para seu chefe, que, no entanto, desviou o olhar. Ela deduziu que Skinner não era totalmente a favor da decisão. -Senhor, e quanto ao Agente Mulder? -Ele será transferido para outra seção. -Posso saber para onde? -Sinto muito, Agente. Isso ainda não foi determinado. -Há alguma coisa que possa ser feita para mudar essa decisão? A pergunta era dirigida a Edward, mas Scully olhava para Skinner, esperando uma resposta, mesmo silenciosa. Mas ele estava impassível. O Chefe de Seção respondeu. -Não. Nada poderá ser mudado. Skinner continuou silente e Scully perdeu qualquer esperança de fazê- lo se manifestar a seu favor e de Mulder. Sem ter mais o que dizer, ela deixou a sala, pensando no que diria a seu parceiro e qual seria sua reação. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx Quando Scully voltou ao escritório, Mulder percebeu que havia algo errado. -O que houve? -Fui falar com Skinner....Mulder, não são boas notícias. -O que você foi falar com ele? Sobre os documentos? -Mulder, você me conhece. Eu fui somente ver se ele podia nos dar algum caso para trabalharmos e assim você deixaria de xeretar onde não deve. -E o que ele disse? -Nem um palavra. Literalmente. Ele estava me esperando. E o Chefe de Seção Edward estava lá. Encurtando a conversa, me transferiram para Quantico. -O que??? Porque? A surpresa e raiva, estampadas no rosto de Mulder, demonstravam o receio que Scully tinha em contar as novidades. Mas ainda havia mais. -Calma, essa é a parte boa da notícia. Mulder se recostou em sua cadeira e respirou fundo. -Ok, dê as más notícias. -Fecharam os arquivos X. De novo. Scully havia quase sussurrado as palavras e achou que Mulder não havia entendido o que dissera. Ela aguardou a explosão de raiva. Esperou que ele se levantasse, chutasse o cesto de lixo. Mas nada disso aconteceu. Ela examinou as expressões faciais de seu parceiro e viu que ele havia de fato entendido. Mas a ira que sentia somente se manifestava em seu rosto. -E Skinner não disse nada? Mulder perguntou pausadamente. -Nada. Eu não sei se foi porque ele concordou com isso ou porque é contra. -Eles nos separaram outras vezes, Scully. E todas as vezes nós conseguimos voltar com a ajuda dele. -Se você quer continuar a ter essa confiança nele, Mulder, tudo bem. Mas eu não esperaria que ele fizesse grandes esforços desta vez. -Somente porque ele não te apoiou durante a reunião? -Isso. -Scully, talvez ele esteja planejando algo. -Enquanto nós esperamos, você pretende fazer o que, Mulder? -Nada. -Nada? Não vai lutar pelos arquivos X? -Scully, seja lá o que for que estejam planejando, eu não vou cair nessa. Você vai para Quantico, eu vou para onde eles me mandarem. Eu deixo eles pensarem que ganharam a batalha. Quando eles acharem que está tudo bem, vão abaixar a guarda e nós reverteremos a situação. -Tem certeza de que é o melhor a fazer? Mulder não tinha certeza de nada, mas ao mesmo tempo sabia que não tinha elementos para lutar contra a decisão. Os arquivos X estavam parados, há algum tempo. Sem casos para investigar, eles não tinham tido relatórios a serem apresentados. Que argumentos ele poderia usar frente a Comissão do FBI? Scully, no fundo, também tinha consciência disso. Assim, mais uma vez, os arquivos X estavam sendo encerrados, mas dessa vez sem qualquer luta contra isso. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx John Edward estava satisfeito. Tinham conseguido dar um fim àquela seção inútil. Dana Scully estaria trabalhando a quilômetros de distância de seu parceiro, e isso significava que Fox Mulder estaria totalmente envolvido com a Seção de Crimes Violentos. Edward conhecia Mulder, de reputação. Sabia que ele era o homem perfeito para cuidar de casos de seqüestro e serial killers. O Agente Mulder havia conseguido se esquivar desse trabalho, tendo em vista sua dedicação aos arquivos X, mas agora não haveria como fazê- lo escapar. Edward estava prestes a ter, sob sua chefia, o maior índice de capturas no FBI. Nada o atrapalharia. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx Parte III - Jack Plugged Lynn Martin não era uma companhia desagradável. Mulder dizia isso a si mesmo toda vez que se mostrava impaciente com sua nova parceira. Desde que havia sido separado de Scully, dois meses antes, Mulder se sentira traído por todos. Skinner já não era mais seu chefe. Ele não se dava bem com ninguém. A agente Lynn Martin, que insistia em ser chamada somente de Lynn, já que considerava seu nome masculino demais, era uma jovem de vinte e oito anos. Estava há tão pouco tempo no FBI que ainda não havia conquistado o respeito de seus colegas. Mas ela era ambiciosa e meticulosa em seu trabalho. Mulder reconhecia essas e outras qualidades na moça. Às vezes, ele se via nela, principalmente quando eles estavam caçando algum assassino. Lynn entrava na mente do criminoso com a mesma facilidade que Mulder, e eles, rapidamente, alcançavam um consenso. Era como se eles fossem os únicos a conseguir ler um livro, escrito em uma língua estranha. A parceria, no entanto, não era perfeita. Mulder sentia falta de Scully, com quem sempre debatia os casos nos quais trabalhavam. O espírito crítico de sua ex-parceira sempre havia sido uma alavanca para o sucesso na resolução dos casos. Com Lynn era diferente. Era como se Mulder estivesse sempre trabalhando sozinho. O silêncio entre os dois aconteciam nas mesmas ocasiões, as discussões eram mais como afirmações de verdades concretas. Se acertavam o faziam juntos, se erravam o faziam pelas mesmas razões. Um caso poderia ficar emperrado por semanas, até que, quase ao mesmo tempo, os dois chegavam à mesma conclusão. Mulder achava aquilo estranho, a ponto de se aborrecer com isso. Lynn o irritava e sua impaciência em relação a ela estava sempre sendo demonstrada. Lynn, por outro lado, admirava seu novo parceiro. Já o admirava desde o tempo da academia. Ela havia lutado muito para chegar onde estava. Entrar no FBI foi a decisão mais acertada de sua vida. Ela gostava de caçar monstros e sabia que os maiores monstros eram os próprios seres humanos. E ela tinha ódio dos animais que caçava. Não podia dizer a seus colegas e superiores o que gostaria de fazer com todos os monstros que perseguia. Ela sabia que tinha que se satisfazer com a prisão e condenação deles. Mas tinha que ser boa o suficiente para conseguir caçá-los e capturá-los. E, no momento, ela e Mulder estavam alcançando o objetivo. Isso era o mais importante. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx Quando Mulder trabalhara anos antes traçando perfis de criminosos, ele tivera que sair da função, porque se envolvia demais. Anos depois, com Scully ao seu lado, ele fizera alguns trabalhos para a Seção de Crimes Violentos. Scully era como uma âncora que não o deixava ir além do necessário. Mulder sempre dependera dela, quando fazia esse tipo de trabalho. Ela não o deixava se afundar demais na mente dos criminosos. Com Lynn a história era completamente diferente. Mulder, às vezes, sentia que ele é que tinha que puxá-la de volta. Ele notava nela a tendência a se distanciar, a se envolver demais no caso. Mas ele nada dizia. Não que não se importasse, mas porque sabia que Lynn, de alguma forma, sabia achar seu próprio caminho na escuridão da mente dos criminosos. Assim, os dois continuavam trabalhando juntos, em uma parceria estranha, onde quase não se falavam mas na qual se comunicavam às maravilhas. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx O primeiro corpo a ser encontrado havia chamado a atenção da polícia, mas não o bastante para que o FBI fosse chamado. Era o corpo de um conhecido criminoso, que havia matado seu próprio irmão e, após cumprir a parca pena que lhe fôra imputada, havia deixado a prisão, somente para ter sua jugular cortada e seu sangue espalhado pelo raio de dez metros. Quando a polícia encontrou o segundo corpo, nas mesmas condições que o primeiro, começou-se a pensar em um serial killer. O morto era, também, um marginal, um estuprador que havia conseguido escapar da justiça graças a artifícios legais. Os policiais que cuidavam do caso adorariam deixar tudo do jeito que estava, mas ficou decidido que o FBI cuidaria do caso. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx Jack estava se aborrecendo. Seu trabalho estava, praticamente, atrapalhando seus planos tão cuidadosamente elaborados. Seus horários, seus colegas, suas tarefas diárias, tomavam todo o seu dia. Agora entendia porque diziam que o trabalho dignifica os homens. Eles não têm tempo de serem indignos. Mas Jack não queria deixar seu trabalho. Sentia grande satisfação no que fazia, gostava da sensação de poder que lhe proporcionava. Era divertido ser alguém bem posicionado, mas com más intenções. Isso surpreendia as pessoas. Jack olhava em volta e ria consigo mesmo. Seus colegas, seu chefe. Ninguém jamais poderia imaginar o que se passava em sua mente. Seus objetivos eram simples. O FBI e seus agentes bem treinados. Um profiler como Fox Mulder seria um alvo perfeito. Tudo o que se espera de um desafio. Entretanto, as coisas estavam andando devagar demais. O FBI não parecia, nem ao menos longinquamente, interessado nos seus crimes. Jack tinha que cometer o terceiro crime para que finalmente obtivesse a atenção necessária. A escolha da vítima foi fácil. Mais um ser humano podre que merecia somente ser decapitado e ter suas entranhas jogadas aos cães. Mas Jack não podia fazer isso. Tinha que seguir seu próprio roteiro. E foi o que fez. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx -Lynn, viu os slides da última vítima? -Dentro da gaveta. -Não. Eu perguntei se você viu os slides. -Vi. Porque? -Não achou nada estranho? -São somente dois corpos, não dá pra ter certeza de nada ainda. -Somente dois corpos? A sua sensibilidade me preocupa, Lynn. -Você entendeu o que eu quis dizer. Ela tinha razão. Era cedo para traçar um perfil. O máximo que sabiam era que o assassino era branco, entre 25 e 35 anos, com certeza morava sozinho e parecia ter aversão a criminosos. Mulder achava que ele podia fazer mais um favor a sociedade e se matar lentamente. Mas enquanto isso não acontecia, o máximo que eles podiam fazer era esperar. Mulder se sentia péssimo, tendo que aguardar o próximo movimento do assassino. Mas nada mais podia ser feito. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx Parte IV - Jack does Everything Dana Scully jamais se sentira tão inútil como agora. Ela gostava do que fazia em Quantico, mas, ao mesmo tempo, sabia que seu parceiro estava trabalhando em coisas bem mais interessantes. Já havia tenteado convencer Skinner de seu retorno, mas este respondera que estava de mãos atadas. Ela sabia que Mulder também tentara, mas sem sucesso, tampouco. Scully decidiu ligar, diretamente, para o Chefe de Seção. O máximo que poderia acontecer era ele lhe dizer não. Quando John Edward desligou o telefone, ficou pensando consigo mesmo que talvez não fosse uma má idéia deixar Scully se juntar a seu ex- parceiro. Afinal o caso no qual Mulder e Lynn vinham trabalhando não estava nem perto de ser resolvido. Naquele momento, John começava a acreditar que talvez Fox Mulder não estivesse à altura de suas expectativas. No dia seguinte, John iniciou o processo de retorno de Dana Scully a Washington. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx O Chefe de Seção, John Edward, não esperava visitas. Quando ouviu a campanhia, no entanto, já imaginava quem poderia ser. -Lynn, posso saber o que você quer a essa hora? -Não vai me convidar para entrar? Antes que ele pudesse dizer algo, Lynn entrou e se sentou no grande sofá da sala. John estava contrafeito, ela podia ver isso claramente. Mas o que ela tinha para conversar com ele era importante. -Ok, então vamos resolver isso agora John. Porque diabos você quer que Dana Scully volte? -Porque você e Mulder não estão chegando a lugar nenhum nas investigações! John tentou não se mostrar alterado, mas era difícil. Ele se irritava pelo simples fato de ter uma sua subordinada tomando satisfações sobre suas decisões administrativas. Mas Lynn não era um simples funcionária. Seus laços com ela eram bem mais complicados do que os de um chefe e sua subalterna. Ele não podia, simplesmente, se dar ao luxo de expulsá-la ou puni-la. E ela tinha consciência do poder que exercia sobre ele, não deixando de demonstrar isso em diversas ocasiões. Não muitas, na verdade. Lynn havia pedido relativamente pouco a ele, desde quando ingressara no FBI. Mas, agora, lá estava ela, indignada, querendo Dana Scully longe das investigações. Lynn não queria Scully por perto por diversas razões, mas a principal era seu receio de que, ao ter sua parceira de volta, Mulder finalmente resolveria o caso e o crédito iria todo para sua ex-parceira. John Edward sabia de tudo isso e sabia também que Lynn não desistiria facilmente. -Lynn, escute, vamos tentar desse jeito. Serão somente duas semanas, OK? Talvez com ela por perto, Mulder dê mais de si. Era o que ela temia. -Eu não vou deixar esse caso, John! -OK, vocês três podem trabalhar juntos. -E como você vai explicar três agentes em um caso de homicídio, com somente duas mortes? -Isso é problema meu. E talvez apareça mais um corpo. Quem sabe? -Para o bem de todos, John, é melhor que apareça, porque eu vou continuar nesse caso e se me perguntarem porque o Chefe de Seção designou mais um agente eu posso acabar respondendo. -Isso não seria muito bom prá você. -Eu sobreviveria. Quanto a você, eu realmente duvido que eles te deixariam escapar impune. John sabia que não havia saída. Ele sempre soubera que, no momento em que Lynn decidisse tomar as rédeas da situação ele estaria perdido. Mas, ainda assim, ele não queria mudar sua decisão, e Lynn percebeu essa determinação. Ela saiu, batendo a porta atrás de si. John podia quase sentir toda a fúria da jovem. Mas ele também estava zangado. Foi dormir pensando no que ela lhe dissera. Era melhor que aparecesse mais um morto. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx Jack estava se decepcionando. Mulder parecia tão longe de desvendar os crimes como estava antes de Jack começar a cometê-los. Talvez fosse melhor que deixasse alguma pista mais concreta. O terceiro corpo jazia na, já comum, poça de sangue, no início da manhã. Ao seu lado havia um bilhete, sem impressões digitais. Jack depositava grandes esperanças na terceira vítima. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx Scully soube que estaria retornando a Washington quase que ao mesmo tempo em que o terceiro corpo era encontrado. O Chefe de Seção fez uma ligação para Mulder avisando sobre as mudanças. Mulder ficou contente em saber que Scully estaria de volta. Era somente estranho saber que Lynn continuaria trabalhando com eles. Mas ele sequer discutiu. Pelo jeito as coisas estavam retornando ao normal, como ele previra meses antes. Era melhor não reclamar demais. E, afinal, ter Lynn por perto neste caso não era uma idéia tão ruim. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx O terceiro corpo trouxe consigo uma pista. O bilhete com o nome de Jack Ray. A nota nada dizia que pudesse ser de grande ajuda, mas o nome podia levar ao assassino. Mulder tinha quase certeza de que o assassino não se chamava Jack Ray, mas talvez o nome tivesse grande significado para ele. As buscas seriam complicadas, e ter três agentes procurando em todos os bancos de dados era bem mais vantajoso do que ter somente dois. Quando Lynn entrou no escritório, Mulder percebeu que ela já sabia das novidades. E estava visivelmente contrariada. -O que houve Lynn? -Nada. -Vamos, diga logo, você sabe que a Scully vai voltar e não gostou disso. -Se você já sabe disso, Mulder, então porque me perguntou? Pelo jeito a minha opinião não tem nenhum peso. -Ah, e você acha que eu tenho algum poder de decisão? Eu não teria saído dos arquivos X se tivesse. -Ok, tem razão. Acho que podemos trabalhar os três juntos, afinal. Ele percebeu que Lynn ainda não estava totalmente convencida, mas antes que pudesse dizer algo ouviu uma batida na porta. Ao ver Scully entrando, Mulder deixou de lado Lynn, e passou a conversar animadamente com sua parceira. Eles tinham muito o que falar, apesar de sempre conversarem por telefone. Mulder, enfim, apresentou Lynn à Scully. Elas não pareciam que se tornariam amigas, ele pensou. Mas como Lynn não era do tipo sociável, ele não se preocupou muito com isso. Após alguns minutos os três se colocaram a examinar o caso no qual Mulder e Lynn vinham trabalhando. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx Após uma cuidadosa busca em todos os bancos de dados possíveis, Mulder chegou à conclusão de que Jack Ray, de fato, não existia. Havia encontrado alguns homônimos. Um Jack Ray morto na guerra civil, um outro menino de três anos de idade, um velho paraplégico e muito doente para poder sequer ir ao banheiro sozinho, e uma mulher, Jackeline Ray. Mulder descartara todos. Ele, na verdade, não estava surpreso. Não esperava, de fato, que o assassino escrevesse seu nome verdadeiro. Mas, ao mesmo tempo, ele não acreditava que o nome fosse um acaso. Para o assassino significava algo. O que Mulder entendera sobre o assassino, desde o início, era que este, apesar da brutalidade dos ataques, era uma pessoa muito inteligente. Mulder acreditava, inclusive, que o "modus operandi" era direcionado, ou seja, o assassino não estava agindo por algum impulso mas, ao contrário, planejava todas as suas ações para chamar a atenção de alguém, no caso, do FBI. Com o terceiro corpo chegou a confirmação disso. O bilhete era, claramente, um desafio. Mulder sabia que havia algo naquelas palavras. Algo que lhe escapava cada vez que tentava pensar sobre o assunto. Ele anotou o que dizia o bilhete em um bloco de papel, mudando a posição das letras, rebuscando a ortografia, procurando nas poucas palavras um jeito particular de redigir. Não era raro, até mesmo em pequenas notas, traçar-se o perfil de um assassino. Suas palavras muitas vezes indicavam o local onde a pessoa havia nascido, ou sua idade. Até mesmo seu estado de espírito quando escrevera o bilhete. Mas o caro Jack havia redigido uma nota simples e fria. E somente a assinatura poderia servir de ajuda. O laboratório, com certeza, encontraria algum indício, através da caligrafia, do tipo de tinta utilizado e do papel. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx Parte V - O ataque do chacal Scully já havia desistido de procurar pelo nome de Jack. Ela não acreditava que o assassino pudesse ser tão estúpido a ponto de assinar com o próprio nome. Já era muito acreditar que ele havia assinado de próprio punho o bilhete. Mas Mulder realmente acreditava nisso. Como em todos os casos em que ele trabalhava, Mulder escolhia uma teoria e não a largava jamais. Scully já o conhecia o suficiente para saber disso. Não deixava de dar sua opinião mas, com os anos, já não se esforçava tanto em demovê-lo de suas idéias. Scully achava estranho, no entanto, o comportamento de Lynn. Era parecia distante, como se não se importasse com o resultado das investigações. Na verdade, Lynn estava muito interessada no caso, mas, ao mesmo tempo, não queria dar grande apoio a Mulder e Scully. Ela sabia que ao final, eles conseguiriam todo o crédito e ela seria colocada de lado. O triunfo lhe seria somente prejudicial. Assim, Lynn se afastava, deixando que Mulder e Scully fizessem todo o trabalho. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx O resultado do exame feito na folha de papel fôra mais surpreendente do que Mulder jamais pudera imaginar. Na verdade, não teria sido necessário um exame profundo para descobrir que a pequena folha de papel havia saído de dentro do próprio FBI, mas Mulder não tinha se atido ao pequeno detalhe ao canto esquerdo do papel. O símbolo do FBI. De qualquer maneira, o indício deixou Mulder bastante animado. Somente esperava que Scully não derrubasse a sua teoria, a única que surgira desde que os assassinatos começaram. O criminoso era alguém de dentro do FBI e seus crimes tinham como única finalidade desafiá-lo. -Mulder, você está sendo egocêntrico e megalomaníaco. Seus maiores temores se concretizaram. Scully não concordava com ele. -Lynn, o que você acha? Se ao menos Lynn o apoiasse ele teria mais base para impor suas idéias. -Bom...Olha, Mulder...Eu não sei. Pode ser que o assassino esteja realmente te desafiando, inclusive usando uma folha de papel com timbre do FBI, justamente para te colocar na pista errada. Mulder sentiu-se obrigado a considerar essa possibilidade. Não seria tão difícil para alguém tão inteligente quanto Jack conseguir ter em mãos uma folha usada pelo FBI Scully concordou com Lynn, para surpresa de Mulder. -Sim, eu também acho. Claro que eu ainda acho que você está sendo egocêntrico e megalomaníaco, e também... Mulder a interrompeu. -Ok, Scully, já entendi. Mas, já que nós não temos pista alguma sobre esse caso, que tal, somente por desencargo de consciência, nós tentarmos descobrir quem poderia ter redigido a nota? Se for alguém daqui de dentro bastará verificar a ortografia. Lynn permaneceu em silêncio. Não tinha nada a acrescentar. Não concordava, de modo algum, com uma investigação dentro do FBI. Mas não havia muito a ser feito. No momento ela notava que o retorno da Scully havia mudado, totalmente, o modo investigativo de Mulder. Ele parecia mais concentrado, mais perspicaz. Lynn se sentia como se tivesse perdido o controle, como se nada do que fizesse estivesse, de fato, em suas mãos. Ela queria participar mais, ter mais controle das investigações. Assim, mesmo discordando de Mulder, ela cedeu. -Mulder, eu acho que não vai ser tão difícil quanto parece a princípio. Basta verificar os arquivos pessoais de todos os funcionários que se encaixam no perfil que você traçou. -Ok, então vamos começar. Scully percebera que Lynn havia cedido somente para satisfazer Mulder. O modo como a moça agia demonstrava, claramente, que ela preferia uma investigação convencional, exatamente o que Scully queria. Entretanto, não foi isso que Lynn disse e Scully não tinha outra saída que não concordar com os dois e procurar o assassino dentro do FBI. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx As buscas foram lentas e consumiram dois dias inteiros, mas eles estavam com muita sorte, nenhum outro homicídio fôra cometido. Jack devia estar fazendo algo mais importante, talvez algum trabalho honesto, Mulder dizia, brincando. Enquanto Lynn e Scully escolhiam, no computador, os possíveis candidatos ao papel de Jack, Mulder pegava as fichas e preparava amostras da caligrafia para serem mandadas para o laboratório. Ao final haviam recolhido nada menos que cinqüenta e cinco amostras. Após excluírem candidatos improváveis, como o próprio Mulder, eles chegaram ao, não menos confortável, número de trinta e sete suspeitos. Bem, o pessoal do laboratório iria adorar o trabalho extra. Ao final, um nome surgiu. Scully não acreditava no resultado. O Chefe de Seção John Edward não parecia o tipo de sair matando pessoas. A ficha pessoal de Edward mostrava que ele era uma pessoa estável, sem grandes problemas pessoais. Jamais se casara, morava sozinho. Scully ponderou tudo isso, sendo apoiada por Lynn, mas Mulder não quis aceitar esses argumentos. -Ele é o culpado, Scully! Você não vê? Ele se enquadra no perfil. Talvez seja um pouco mais velho do que eu pensava. -Mulder, um assassino desses não nasce da noite pro dia. Ele não pode ter chegado a essa idade, nesse cargo, sem jamais ter cometido uma falha. Sem ter matado antes. -Jack é inteligente, ele sabe se esconder bem! -Eu concordo, mas se ele é Jack então não é tão inteligente. Matou somente três pessoas e deixou uma pista que levaria diretamente a ele! -Ok, vocês duas não querem acreditar em mim mesmo. Eu até aceito que Lynn não me apoie, mas esperava bem mais de você, Scully! Aquelas palavras a magoavam, mas ela não queria que Mulder cometesse um grave erro. Acusar o Chefe de Seção iria ser mais do que prejudicial à carreira de seu parceiro. Ela tentou ponderar isso com ele, mas Mulder sabia ser teimoso. -Mulder, faça o que quiser, mas não o acuse agora. Vamos procurar outras possibilidades. Lynn continuava sem dizer nada. Mas ela mostrava, visivelmente, que concordava com Scully. Mulder percebia que era uma batalha perdida. -Tudo bem, então eu vou investigar John Edward mais a fundo, enquanto vocês procuram outras possibilidades, o que acham? Scully desistiu de discutir. Deixaria Mulder seguir suas teorias e ela própria faria uma investigação paralela. A caligrafia do Chefe de Seção na folha de papel deixada por Jack, poderia ter sido somente uma armação, com o único intuito de enganá-los ainda mais. Mulder deixou a sala, batendo a porta atrás de si, com força. -Scully, talvez seja melhor ir atrás dele. Não acha? -Se você quiser, Lynn. Mas eu não quero perder tempo com isso. -E se ele estiver certo? Se Edward for realmente o culpado? -Ele não é. Após essa afirmação, Lynn deixou Scully e foi atrás de Mulder. Talvez ainda o encontrasse na garagem. Ela sabia que tinha que correr. Ao mesmo tempo que corria, ela ligava para John. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx Mulder chegou até seu carro, quando viu um vulto se aproximando. Não teve tempo, sequer de puxar sua arma. A surpresa de ser atacado dentro da segurança do edifício do FBI, o impediu de reagir da forma esperada. A escuridão tomou conta de tudo, em segundos. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx Parte VI - The 5th Stone Mulder não conseguia se mover. Sentia seus braços e pernas pesados, como se presos a algo, seu corpo parecia totalmente imobilizado. À medida que sua consciência retornava ele se dava conta de que estava fortemente amarrado. Não sabia o que ou quem o havia atingido, mas tinha a suspeita de que havia sido Jack ou John Edward. Somente rezava para que Scully não tivesse atravessado o caminho dele. De repente, no porão escuro, Mulder viu uma porta ser aberta e a luz entrou com violência. Um vulto caminhou em sua direção. Por alguns instantes, Mulder tivera a certeza de que era Jack que chegara para terminar o serviço. Mas seus olhos se ajustaram à luz e ele respirou aliviado. Era Lynn. Ela se aproximou dele lentamente e se ajoelhou a sua frente, sem, no entanto, fazer menção de que iria desamarrá-lo. Mulder não entendia porque ela estava agindo com tanta calma. Talvez Jack já havia sido preso ou quem sabe estava morto. -Lynn, vocês prenderam ele? -Ele quem, Mulder? Lynn se sentara calmamente em frente a ele, enquanto sorria docemente. Isso irritou Mulder. -Jack! Vocês pegaram ele? Onde está a Scully? -Nós não prendemos Jack. Nem se sabe quem é ele. -É o John Edward! Eu já disse isso! Porque vocês não acreditam em mim? Foi ele que me derrubou e me trouxe prá cá! -Mulder, ele te derrubou e te trouxe prá cá aonde? -Do que você está falando, Lynn? Prá cá! Prá esse porão!! -Você nem ao menos sabe onde você está, como sabe que foi o John que te trouxe? Essa conversa já estava ficando surrealista, segundo Mulder. E já era hora de voltar tudo ao normal. -Lynn! Vamos parar de discutir isso. Me desamarre, Ok? -Não. Enquanto você não assumir que fez tudo errado. Que o perfil que você traçou estava todo errado. Que você não é tão bom quanto pensa. -Eu não acho que eu tenha errado o perfil. Porque você defende tanto ele? A essa altura Mulder tinha certeza de que Lynn estava, de alguma forma, ajudando Jack. O que era estranho, já que serial killers normalmente trabalham sozinhos. Mas talvez ele realmente houvesse errado o maldito perfil afinal. -Ele é meu pai, Mulder. Lynn disse isso com voz monótona, como se Mulder já devesse saber disso há séculos. Bem, ele deveria ter descoberto. Mas não iria admitir isso a Lynn. -Sim, Mulder, eu vejo que você está chocado. Eu até entendo, afinal você como ótimo agente somente meteu os pés pelas mãos. E eu que pensei que você fosse o melhor. -Lynn, o fato dele ser seu pai não é desculpa prá você ajudá-lo a escapar. Ela parecia ignorá-lo. -Você o ajudou? Nos crimes? -Ele era um covarde. Quando eu tinha uns quatro anos ele começou a demonstrar muito afeto comigo. Afeto até demais. Minha mãe, na verdade a mãe dele, descobriu e o colocou prá fora. Me disse que ele havia morrido. -Ele molestou você? -Isso, Mulder! Até que enfim você acertou uma! Vou te dar mais umas informações. Eu descobri mais tarde que ele estava vivo e tinha uma posição importante em Washington. Entrei no FBI com um pouco da ajuda dele. Claro que ele não queria me ajudar, mas você sabe como o passado pode ser cruel com as carreiras em Washington. -Você estava chantageando ele. -Mais uma resposta certa! Você anda melhorando. Sim, eu o obriguei a afastar a Scully e me colocar com você. Ele fez com que ela voltasse, não pude fazer grande coisa. Ele queria tanto pegar o Jack! Mais do que você jamais poderia querer. -Ele não é o Jack. -Terceira resposta certa. Daqui a pouco você vai ganhar o grande prêmio. -Eu não tinha como ter errado o perfil. -Não, Mulder, ao contrário, você não somente errou como deixou que eu te enganasse completamente. Eu direcionei seu perfil, do jeito que eu queria que fosse. Eu ganhei esse jogo. Nem mesmo agora, frente a frente com o terrível Jack, você consegue se dar conta de quem é ele! -Eu somente não consigo acreditar que eu tenha me enganado tanto com você Lynn. -O que você está dizendo é que, somente porque trabalhou ao meu lado, acha que me conhece? Você não me conhece, você só vê o que eu deixo você ver. E não sou somente eu. Todas as pessoas são assim. Só mostram o que querem que os outros vejam. Aposto que a sua querida Scully tem um lado obscuro que você jamais descobrirá. -Nem todo mundo é como você, Lynn. -Bem, isso não importa muito agora. Eu vou continuar a minha vida e provavelmente vou encontrar algum jogador melhor do que você. -Você vai ser presa. A Scully vai descobrir. -Provavelmente, Mulder. Ela é bem melhor do que você. Pena que ela cede o lugar prá você. Se ela fosse menos altruísta ela teria se imposto, e já teria resolvido esse caso há tempos. Ela confia tanto em você e no seu julgamento que acabou aceitando a teoria de que John era o culpado. -Quando eu aparecer morto ela vai descobrir, de alguma forma. -Humm, acho que não. Veja, o John já está morto. Eu o matei com a minha arma. Aqui mesmo, nesse prédio. Agora eu mato você com a arma dele. Sujo as mãos dele de pólvora. E digo que ele te matou e eu atirei nele em seguida. Não é perfeito? Era, Mulder percebia isso claramente. Scully nem ao menos podia imaginar onde ele estava. Nem ele mesmo sabia isso! E Lynn sabia o que estava fazendo. Ela o iludira de forma perfeita. Deixara Mulder acreditar que John era o culpado. Provavelmente havia trocado a própria amostra caligráfica com a de John, quando essas foram mandadas para o laboratório. Ele ainda estava perplexo em descobrir a verdade. Mas a sensação de impotência era ainda maior. Não havia como fugir dessa situação. Jackeline Martin Ray havia conseguido tudo o que sempre quisera. Havia feito seu jogo. Lançara as pedrinhas para o alto e agora a última estava prestes a cair em suas mãos. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx Lynn se levantou e apontou a arma para Mulder. Ele não tinha como reagir. Fechou os olhos e somente esperou que ela não errasse o tiro e o fizesse sofrer demais. Já que tinha que morrer, que ao menos fosse de forma rápida. Mulder ouviu o tiro exatamente no mesmo segundo em que sentia algo batendo com força em sua cabeça. A escuridão veio com rapidez. Lynn não tinha mais nada a fazer ali. Seguiria com seu plano. Devido a tudo o que ocorrera, pediria demissão do FBI e desapareceria para sempre. Ninguém jamais descobriria nada. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx Parte VII - Game Over - Insert a Coin to Play Again O enterro de John Edward foi quase um protesto público. Quando a imprensa divulgara que ele era um assassino, a opinião pública ficou irada. Não importava o número de mortos, ou o fato das vítimas serem todos criminosos. Lynn Martin deixara o FBI e Scully agradeceu à agente por tudo o que fizera. Logicamente ela não sabia a verdade, não tinha idéia de estar agradecendo justamente à pessoa errada, e esse fato causava em Jack uma sensação de ter alcançado completamente seus objetivos. Scully estava finalizando o relatório do caso, quando Skinner entrou. -Agente Scully, já é bem tarde, não vai embora? -Sim, claro. Eu somente estava terminando o relatório e arrumando um pouco as coisas aqui. -Sobre o Agente Mulder, eu queria dizer que sinto muito. -Eu sei. Scully sabia que Skinner, apesar do jeito nada amistoso, sempre fôra amigo de Mulder. Mesmo nesse caso, mesmo não tendo lutado contra o fechamento dos arquivos X, Skinner demonstrara isso. Ela sorriu e deixou a sala, em seguida. Enquanto seguia para seu carro, Scully repensava tudo o que havia ocorrido. O fato dela não ter acreditado quando Mulder insistira que John Edward era o culpado, era o que mais a magoava. O sentimento de culpa tomava conta dela. Talvez por isso ficasse até tarde no trabalho, talvez por isso visitasse Mulder somente uma vez por semana. Ela sabia que estava errada, que ela lhe devia ao menos isso. Mas ela não se sentia a vontade visitando uma pessoa que, na verdade, não estava lá. Ele não podia responder quando ela chamava seu nome, ele não podia olhar para ela. Ele não podia nem ao menos acusá-la. Scully adoraria que ele se levantasse, que tomasse vida novamente, e dissesse que ela era a culpada de tudo. Que a falta de confiança dela havia causado o sofrimento dele. Já que isso era impossível, ela mesma tratava de dizer essas palavras para si mesma, todos os dias. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxx xxxx Já era bem tarde, duas da manhã, quando o telefone tocou. Scully acordou lentamente, apesar de alarmada com o toque do telefone. Ninguém liga para as pessoas à essa hora. Mulder ligava, claro. Mas não era ele, obviamente. -Scully....Sei....Não, você fez bem, eu agradeço...Sim, vou agora mesmo....Obrigada... Scully correu para pegar suas chaves. Não queria deixar para o dia seguinte, mesmo sabendo que já era tão tarde. Ela tinha que saber, mesmo que não gostasse do que iria descobrir, ela tinha que saber. Em menos de meia hora ela chegou ao hospital. A enfermeira que telefonara já a aguardava. -Ele não disse nada, somente seu nome. Por isso quis chamar logo. O médico já o examinou. -E o que ele disse? Tem danos cerebrais? -Não, aparentemente está tudo bem. Mas como eu já disse, ele somente falou o seu nome. Scully correu para o quarto, mas entrou lentamente, quase com medo do que veria lá dentro. -Hey, parceira. Mulder parecia que já estava esperando por ela. Era incrível que ele tivesse acordado do estado de coma profundo em que estava e era mais incrível que ele estivesse falando, que a tivesse reconhecido. Não era tempo de pensar nisso. Ela queria somente abraçá-lo, tocá-lo. -Oi, você dormiu um bocado, sabia? -Já me disseram. Mas o que aconteceu? -Não lembra? Scully começou a se preocupar. E se ele tivesse perdido a memória? Qual seria o último momento que ele lembrava? -Não. Me lembro de ter saído para seguir uma pista. Você e Lynn não quiseram. -Sim, eu sei. Eu errei, Mulder. Eu devia ter confiado mais em você. Você estava certo. O que mais você lembra? Lembra do tiro? -Não. Me lembro somente de alguém me atingir, pelas costas. Depois não me lembro de nada. O que houve afinal? -Você foi atrás do Chefe de Seção. Eu não quis te acompanhar, achei que era perda de tempo. Mas isso você lembra. De qualquer forma, Lynn foi atrás de você. Ela salvou sua vida. Ela atirou em John, mas antes ele tinha atirado em você. -Eu não lembro disso. Queria agradecer a ela. Onde ela está? -Não sei. Pediu demissão do FBI. Disse ter se decepcionado com o caso. Pelo assassino estar dentro do FBI." -É uma pena. Ela trabalha bem. -É verdade. Bem, agora é melhor você descansar. -Scully! Eu venho dormindo há séculos! -Ótimo, então durma mais um pouco. -Ok, doutora. Era bom ver Mulder bem novamente. Scully agora se sentia mais tranqüila. Tudo voltaria a ser o que era. Ela não entendia porque duvidara da recuperação dele. No fundo ela sabia que ele era o maior cabeça dura que ela conhecia, e não ia ser uma bala, que nem ao menos penetrara no cérebro, que iria derrubá-lo. Aparentemente, Mulder estava ainda muito cansado, já que levou a sério o que ela dissera e adormecera imediatamente. Ela ainda ficou no hospital por algumas horas, verificando com os médicos as reais condições dele. Ligou para Skinner logo de manhã, contando as novidades. Menos de um mês depois, Mulder e Scully já estavam trabalhando normalmente. A memória dos eventos, que ficou perdida, não deixou Mulder preocupado, de forma alguma. Algum dia ele lembraria, mas não fazia tanta questão. Afinal, o que poderia ter de tão importante assim a ser lembrado? Nada, é claro. Fim....