Autora: Claudia Modell E-mail: claudia@subsolo.org Homepage: http://subsolo.org Categoria: Angst Notas: 1) Essa fanfic fala sobre drogas. É um tema complicado e eu tentei mostrar o que eu realmente penso sobre isso. Que drogas não trazem nada de bom, que sem a ajuda de amigos e parentes não há como se livrar delas e que qualquer um pode se tornar viciado. Não existe o negócio de "parar quando quiser". 2) Eu tentei pesquisar o máximo sobre a metanfetamina. Tudo o que é descrito, seu uso, os sintomas, as crises, foram resultados de pesquisas. Quanto a crises de abstinência eu não tive tempo de pesquisar, então tomei liberdade de criar o que eu acredito que aconteça na realidade. 3) Queria agradecer à Silvia Penhalbel que foi minha beta, agradecer e pedir desculpas a ela, porque eu não consegui de jeito nenhum cumprir o pedido que ela fez (ela sabe o que era:). Demônio Interior Mais uma semana, mais uma porcaria de semana. É tudo o que ele tinha que aturar. Uma semana atrás de outra semana. Um círculo sem fim. Se levantar de manhã chegava a ser doloroso, tomar banho uma tortura, comer era entediante. Não havia nada que o fizesse se animar um pouco. O trabalho não o animava, sua vida pessoal jamais fôra interessante. Tudo o que ele tinha para fazer o tempo passar era dormir, mas ele não conseguia. Então, ele somente rezava para que os dias passassem e chegasse o dia que ele não se sentiria mais assim. Às vezes, Mulder achava que sempre havia vivido nesse inferno de dias intermináveis, mas sabia que nem sempre fôra assim. Na verdade, ele se lembrava o dia exato que tudo havia começado. Xxxxxxx 2 meses antes Dana Scully havia chegado cedo ao trabalho naquela manhã de segunda feira. Não haviam casos pendentes, mas isso era algo a ser remediado em breve, já que Skinner havia telefonado na sexta feira pedindo aos dois que chegassem cedo, pois queria passar um caso para eles. Não devia ser nada urgente, já que pôde esperar até o início da semana, mas, mesmo assim, era um caso. Mulder estava entediado. Fazia algum tempo que ele não tinha um bom caso nas mãos. Somente simples casos de fraudes, ou até mesmo um homicídio, mas nenhum arquivo X. Teria sido mais fácil se ele soubesse desde o início que aqueles casos eram rotina, mas ele tinha enganado a si mesmo, achando que havia algo de paranormal nas situações. Infelizmente, os casos se mostraram como o que eram. Somente investigações de rotina, tendo como conseqüência pilhas de relatórios a serem preenchidos. Assim, quando Scully entrou no pequeno escritório que dividia com Mulder, no porão do FBI, ela se deparou com o homem mais entediado da face da terra. A pilha de elástico e os colares de clips contavam a história de um homem torturado pelo tédio. Ela riu secretamente. Mulder não aceitava bem esse lado de seu trabalho. A burocracia, as investigações feitas dentro do próprio edifício. Scully, no entanto, preferia às vezes essa rotina. Isso lhe dava chance de pensar, de distrair sua mente com a ciência que tanto gostava. “Olá, Mulder.” “Uh” “Uh? Isso são modos? Diga, Bom Dia parceira!” “Fale por você Scully. Eu odeio segunda feira.” “Mulder, ânimo! Se você se comportar eu te levo prá comer lasanha.” “Ha ha ha. Detesto esse senso de humor na segunda.” “Ok, Mulder. A despeito do seu senso de humor inexistente, nós temos que trabalhar. Skinner quer falar conosco.” Mulder seguiu meio a contragosto. Ele sabia que Skinner lhes daria algum caso chato para trabalharem. E realmente foi o que aconteceu. Era um caso de homicídio, mas que havia ocorrido anos antes. Por alguma razão, resolveram desenterrar um antigo caso, ocorrido em Los Angeles. Pelo menos a viagem ia ser divertida, Mulder pensou. Após dois dias em Los Angeles, com um calor insuportável e um caso onde as provas estavam mofadas, dentro de escritórios mais mofados ainda, Mulder já tinha perdido toda a esperança de se divertir. O caso estava fadado a continuar fechado, sem que o assassino jamais viesse a ser descoberto. Scully não parecia ver isso. E Mulder resolveu deixá-la no hotel e procurar alguma diversão na noite de Los Angeles. Xxxxxxx Mulder podia se lembrar com facilidade a última vez que estivera em uma boate, e isso fôra há muito tempo. Scully estava desaparecida na época. E ele conheceu uma mulher. Mas os tempos eram outros e aquela não era exatamente uma boate. Era uma rave. A música techno era ensurdecedora. O ambiente estava lotado e abafado. Era impossível não ser tocado por alguém. O cheiro de álcool era enojante. Mulder nunca gostou muito de bebida e muito menos de locais como esse, mas sentiu uma certa atração ao passar de taxi pelo local. Agora que estava lá dentro já começava a se arrepender da decisão. Até mesmo ouvir seus próprios pensamentos parecia impossível. O pior eram as luzes. Mulder sentia sua cabeça doer somente em ver as luzes. Tinha que sair dali. Tinha sido uma péssima idéia, desde o princípio. Não tinha chegado à porta, quando sentiu alguém puxando seu braço com força. O instinto de se virar e agredir a pessoa foi controlado a tempo. Era uma mulher, ou melhor, uma garota de uns vinte e poucos anos. Ela o estava chamando para dançar. Ah! Como se ele pudesse sequer se mover! E mesmo que pudesse não tinha idéia de como dançar esse tipo de música. Ele tentou dizer isso a ela, mas logicamente o caos do local não o deixou ouvir a si mesmo. Ele se afastou, deixando que a moça se segurasse na sua roupa. Se ela o queria seguir muito bem, desde que ele não ficasse no meio daquela multidão. Em breve, Mulder já havia chegado ao balcão. Talvez fosse uma boa idéia pedir uma bebida antes de ir embora. A garota ainda estava do lado dele e não parecia que iria desistir tão facilmente. Ele ouvia que ela dizia algo, mas o barulho não o deixava escutar. Ela se aproximou mais e ele somente conseguiu ouvir uma palavra. Alto. Ele concordou com ela. Talvez ela somente estivesse dizendo que ele era alto. Bem, não se podia esperar um exercício de comunicação em um lugar daqueles, de qualquer forma. Antes que Mulder se desse conta já tinha uma bebida nas mãos. Não queria beber, mas já que não tinha outra coisa a fazer decidiu somente ficar mais alguns instantes e depois despachar a moça. A calma do seu quarto de hotel era tudo o que ele queria. Xxxxxx Mulder já havia bebido ao menos uns quatro copos de alguma bebida que ele sequer se lembrava. O efeito, no entanto, era devastador. As luzes, antes tão invasivas, agora pareciam prismas. Era divertido ver as formas que elas tomavam. As pessoas dançando pareciam que se moviam em câmera lenta. A música ecoava nos ouvidos dele, fazendo com que seu coração batesse mais rápido. A garota que o acompanhava se encontrava ainda mais próxima e Mulder via a si mesmo beijando a moça, da qual sequer sabia o nome. Mas nada importava. Ele estava se sentindo bem, se sentia vivo. Não conseguia parar de beijá-la, e no fundo achava que não estava sendo correto, mas esse pensamento era somente uma vaga lembrança, da qual ele não queria se inteirar. À medida que o tempo passava a sensação que tomava conta dele aumentava. Mulder estava muito agitado, eufórico até. Nunca se sentira daquela forma. Devia ter sido a bebida, ou algo nela. Mas isso não importava. Ele queria aproveitar ao máximo aquela sensação. E foi o que ele fez. Ao acordar no dia seguinte, com a boca seca, o corpo dolorido, as roupas largadas no chão, ele notou que não estava no quarto de hotel que ele tinha se hospedado. Esse lugar era um motel barato, de alta rotatividade. E de alta rotatividade parecia ser sua acompanhante. Mulder notou que jamais teria saído em sã consciência com uma mulher daquelas. Ela era vulgar, suas roupas vulgares, a maquiagem que ainda enchia seu rosto era exagerada. Engraçado, na noite anterior ela não parecia tão vulgar. Foi quando Mulder se lembrou da noite anterior. Da euforia que tinha tomado conta dele. Ele tinha certeza de que tinha sido drogado e estava, agora, furioso. Ele acordou a mulher com um empurrão. Mulder não gostava de ser rude com mulheres, mas com a raiva que estava sentindo ele não se importava. “Hey! Calma lá cara!” “Você me drogou!” “Eu perguntei se você queria! E você concordou! Não te roubei nem nada e você ainda transou comigo, então não se faça de inocente, ok?” “Eu não concordei com nada!” “Ok, qual é o seu problema? Não se divertiu?” “Minha idéia de diversão não é ficar doidão com uma vagabunda em um hotel de terceira!” “Não foi isso que você disse ontem a noite, seu animal!” “Olhe, eu não vou ficar mais discutindo. Vou me vestir e ir embora desse buraco.” E foi o que Mulder fez. Sem dizer mais nada ele se vestiu e saiu. Não sabia o que diria a Scully caso ela tivesse percebido a ausência dele. Mas por sorte, ao entrar no hotel, ele foi direto para seu quarto. Teve tempo de tomar banho e se vestir e Scully não notou nada de estranho quando os dois se encontraram para tomar o café da manhã. Xxxxxxx Mulder estava muito silencioso no café da manhã. Scully o entendia. Aquele caso era uma perda de tempo e Mulder estava cansado. Ele não quis comer nada. E Scully não insistiu em conversar com ele, quando percebeu que seu humor estava péssimo. Conversaram rapidamente sobre o caso, mas Mulder parecia absorto, desinteressado. O fato era que Mulder estava ainda agitado com a droga. Não conseguia relaxar. Sua mente parecia ir de um pensamento a outro com uma rapidez incrível. Não era possível que a droga ainda estivesse no organismo dele. Que diabos aquela mulher havia colocado na sua bebida? Mas havia outra coisa que o perturbava. Ele havia feito sexo com uma total desconhecida, sem proteção. Se ela estivesse doente ele teria sérios problemas. Tinha que encontrá-la, mas somente poderia fazê-lo a noite. O jeito era voltar ao local onde havia encontrado a mulher e torcer para que ela estivesse lá. Xxxxxxx Mulder se sentia como se estivesse tendo um deja-vu. Tudo parecia idêntico, a mesma música irritante, as mesmas pessoas bêbadas e alguns drogados. Mas dessa vez ele sabia um pouco mais. E suas intenções eram bem claras. Tinha que achar aquela mulher. Depois de meia hora naquele inferno ele estava quase desistindo, até que a viu novamente. “Eu preciso falar com você!” “O que??” “Eu disse que quero falar com você.” “Não estou ouvindo nada, vamos lá prá fora.” Mulder a seguiu para fora da boate. O silêncio lá fora somente podia ser considerado como tal se fosse comparado com o intenso barulho de dentro. Mas, ao menos, Mulder conseguia ouví-la. “Ok, cara, o que você quer? Outra dose?” “Não! Eu quero é que você vá até um hospital comigo e faça exames de sangue.” “Olhe, eu não sou doente, ok? Fiz exames recentemente, se quiser eu te mostro. Mas não vou prá nenhum hospital.” “Escuta, você é uma drogada e bastante promíscua, eu não vou correr riscos.” “Devia ter pensado nisso antes!” “Eu adoraria, mas fui drogado, lembra?” “Olha, eu não vou discutir tudo isso com você de novo. Quer ver meu exame de sangue? Então vamos até o meu apartamento. E depois você me deixa em paz. Essa noite tá um saco mesmo.” Para Mulder o que importava era ter certeza que ela não estava doente. Se tinha que ir até a casa dela para descobrir, então ele iria. Xxxxxxx Mulder se surpreendeu ao entrar no apartamento da moça. Céus, ele sequer sabia o nome dela. Tudo era limpo, nada exagerado. Um apartamento simples, mas não muito modesto. Era bem mais arrumado do que o dele próprio. Enquanto ela ia ao quarto buscar o exame, Mulder ficou examinando as fotografias em cima da mesa. Eram da jovem e uma mulher mais velha. “Minha mãe. Ela mora em Chicago.” “Não a vê muito, não é?” “Não, eu estudo literatura na universidade. Ainda tenho mais dois anos antes de decidir se volto a morar em Chicago ou fico por aqui.” “Não sei o seu nome. O meu é Fox Mulder.” “Fox? Legal. Prazer, Jennifer.” “Bem, Jennifer. Sinto muito ter agredido você antes, ok?” “Não tem problema. Eu não costumo fazer aquilo, sabe?” “Fazer o que?” “Sexo com um desconhecido. Na verdade eu não sou do jeito que você me descreveu.” “Sinto muito. Eu estava nervoso. Nunca tinha usado drogas.” “É. Eu sei como é. Eu usei a meta algumas vezes. Ela estoura a nossa mente. Uma coisa de louco.” “Meta?” “É. Metanfetamina. Só um pouquinho te deixa alto. Mas não dá alucinações nem nada do gênero. É só prá agitar.” “Bem, eu não acho que eu precise disso.” “Nem eu precisava. Mas você gostou, não foi?” Mulder preferia não responder a essa pergunta, mas já sabia a resposta. Mesmo após horas desde que usara a droga, ainda sentia seu corpo agitado, a mente alerta. Talvez tivesse gostado, mas não queria admitir isso. Jennifer entendia essa sensação. Ela mesma havia lutado contra esse desejo de usar a droga mais uma vez e tinha perdido a batalha. Agora admitia que não podia ficar sem ela. Mas ela tentava usar o menos possível. Ela mostrou os exames a Mulder que olhou com disfarçado interesse. Não queria magoar a jovem ainda mais. Em seguida se despediu. Mas antes que chegasse até a porta, Jennifer o segurou pelo braço, como havia feito na noite anterior. Em breve ela o estava beijando, e, dessa vez, Mulder estava bem consciente do que acontecia. Mas ele não lutou contra o beijo. Em breve os dois estavam no quarto dela, e Mulder, pelo menos dessa vez, iria se lembrar da noite de sexo com ela. O que ele não conseguiu entender foi o motivo de ter aceitado, mais tarde, a dose de meta que ela lhe oferecera. Mas o fato era que ele aceitara, e na manhã seguinte ele acordou com a mesma sensação que tomara conta dele na manhã anterior. E novamente o mesmo problema. Voltar ao hotel sem ser notado. Xxxxxxx A sorte esteve do lado dele mais uma vez. Scully não percebeu nada e, dessa vez, eles tomaram um café rápido. Segundo o detetive do caso que eles estavam cuidando, não havia mais nada a ser feito e Scully já havia ligado para Skinner dizendo que eles retornariam a Washington. Ao chegarem em Washington, Mulder foi direto para casa. Queria tentar dormir, relaxar. Mas a ansiedade tomava conta dele. Ele não conseguia relaxar de forma alguma. Sentia o coração quase disparando, a respiração profunda fazia com que ele inalasse mais oxigênio do que o necessário e ele já estava hiperventilando. Se não chegasse logo em casa, tinha medo de desmaiar. Ao chegar em casa correu para o banheiro. Vomitou o pouco café da manhã que tinha tomado no avião. Suas mãos tremiam descontroladamente. Ele não conseguia ficar parado. Tinha vontade de correr, mas ao mesmo tempo queria descansar. Era a maldita droga. Ele lutou contra sua ansiedade e se deitou. Mas após duas horas ele ainda estava agitado, eufórico. Queria fazer mil coisas. Mas seu corpo implorava que ele descansasse. A luta contra essa euforia o estava deixando mais cansado e ao mesmo tempo nervoso. Sua cabeça latejava, sua respiração estava tão profunda que sentia os pulmões forçando suas costelas. Seu pulso era acelerado, e ele podia praticamente contar as batidas do coração pelo eco nos seus ouvidos. Mulder já não agüentava ficar dentro do apartamento. Tinha que sair. Já era noite e ele pensou que talvez pudesse correr um pouco. Suar talvez fizesse com que a droga saísse de seu corpo. Ele correu por uma hora. E suou tanto que já não achava que tinha qualquer líquido no corpo. Mas queria correr mais. Queria tudo mais. Mas não sabia o que era esse mais. Voltou para casa e se vestiu. Iria sair, talvez procurar um lugar como aquela boate de Los Angeles. Ele não sabia o que iria fazer, mas sabia no fundo o que queria. Ele queria mais. Xxxxxxx Desde que tudo começara, Mulder tivera sempre problemas em manter a questão fora do conhecimento de sua parceira. O que não era nada fácil, já que ela, sendo médica e o conhecendo tão bem, notava qualquer modificação em seu comportamento. Mas as mudanças ocorridas foram graduais e significavam, aparentemente, uma ampliação do comportamento já existente. De fato, Mulder comia pouco, dormia menos ainda, mas isso ele fazia muito antes de começar a tomar a droga. A diferença crucial estava nas mudanças repentinas de humor. Haviam dias que Mulder ia trabalhar eufórico, animado com qualquer caso que lhe caísse nas mãos, e em outros dias estava irritado, disposto a desistir de qualquer investigação. No início essas mudanças de humor eram modestas. Havia um período de dias entre o estado de euforia para o de irritabilidade e depressão. Mas, à medida que o tempo passava, os intervalos diminuíam. Após dois meses ele já tinha dois dias bons contra quatro ruins, o que era uma média péssima. Quando estava irritado e deprimido ele tentava usar mais droga, o que o fazia, às vezes, ter alucinações. Mas a situação predominante era a euforia e a depressão. Scully não desconfiava de nada. Achava que seu parceiro estava desmotivado, que um arquivo x iria ser a salvação dele. Mas enquanto isso não acontecia, ela tinha que lidar com um parceiro altamente irritável. Na verdade, ultimamente, ela jamais sabia se sua próxima frase seria mal interpretada, e se ele não ficaria de cara fechada com ela por alguma bobagem. Mas ela preferia deixá-lo extravasar suas frustrações a discutir com ele o que estava acontecendo. Aquela manhã parecia não ser diferente. Mulder chegou tarde ao trabalho, seu rosto mais magro e abatido que o normal. Scully sabia que ele não vinha dormindo direito, mas não ousava discutir isso com ele. “Olá, Mulder.” Nenhuma resposta. Bem, agora ela sabia como estava o humor dele naquele dia. Já que ele queria o silêncio, ela seguiu para a própria mesa e o deixou quieto. Mulder havia tomado uma cápsula da droga durante a noite e ele nem entendera porque tinha feito isso. Tudo o que ele queria era poder dormir e a depressão que tomara conta dele no dia anterior iria fazer esse efeito nele. Mas ele achou que se tomasse uma dose o seu humor melhoraria e ele talvez até conseguisse dormir. Foi uma esperança vã. Já eram mais de seis horas desde que tomara o remédio, como secretamente o chamava, tentando enganar-se. Mas a droga não havia feito com que ele se sentisse melhor. Tomar outra era a solução. Ele estava irritado com tudo, se sentindo mal, e a simples visão de Scully contente o deixava enjoado. “Vou tomar um café, quer?” “Claro, Mulder. Obrigada.” Mulder pegou um copo de café para ele e para sua parceira. Ela não percebeu quando ele tomou uma cápsula de “remédio” junto com o café. Após alguns minutos a droga começou a fazer efeito. Mas não o efeito desejado. A superdosagem lançou Mulder em uma crise de pânico. Ele começou a sentir o peito ansiar por ar, sua cabeça latejava, seu corpo tremia. O ar que ele buscava não parecia entrar em seus pulmões de forma adequada. Ele tinha a impressão que não sabia mais respirar. Se antes respirava achando que não podia fazê-lo, agora ao pensar nisso ele simplesmente esqueceu como inspirar e expirar. Scully notou que havia algo errado e correu na direção dele, mas ele estava em verdadeiro pânico, por não poder respirar, por achar que não tinha como sair dali. As paredes do escritório pareciam crescer à sua frente e o chão estava se tornando elástico e o engolia lentamente. “Mulder? Respira Mulder!” Scully via que ele não respirava, mas não sabia o que o impedia. Ele estava gelado, em choque, as mãos dele tremiam, e ele não deixava que ela se aproximasse. Em um determinado momento ela temeu que ele a agredisse. Mas, após alguns segundos ele desmaiou. Estando inconsciente seu organismo havia relaxado e em poucos minutos ele respirava. Ainda de forma errática, é verdade, mas ao menos ele respirava. Ela estava intrigada. O que havia causado aquilo? Ela o examinou e viu que as pupilas estavam ligeiramente dilatadas. Mas isso podia ter sido causado pela falta de ar. O que ela queria saber era o que havia causado a crise de pânico. Ela chegara a conclusão de que havia sido isso somente por exclusão. Se as vias respiratórias estavam bloqueadas o simples desmaio não o teria feito respirar novamente. Ou era uma síndrome de pânico ou ele tinha sofrido uma parada respiratória, o que era estranho devido ao fato que ele jamais tivera problemas desse tipo. Ela o deixou descansar por alguns instantes. A pulsação já estava voltando ao normal e também a respiração. Ele acordou lentamente. “Scully? O que houve?” “Não sei Mulder. Você não conseguia respirar. Já teve isso antes?” “Não.” “É melhor você ir comigo a um hospital.” “Não! Eu estou bem.” “Mulder, eu não vou aceitar não como resposta. Você parou de respirar. E eu não sei porque isso aconteceu.” “Já disse que estou bem!! Me deixe em paz. Procure outra pessoa prá brincar de médico.” “Mulder...” “Chega! Eu não vou, Scully. Entendeu?” “Entendi muito bem, Mulder.” Scully o deixou ali mesmo no chão. Se ele não queria ajuda então que não esperasse por qualquer tipo de ajuda vindo dela. Ela estava zangada com ele, mas ao mesmo tempo preocupada. Voltou para a sua mesa, mas não deixando de ficar de olho nele. Mas Mulder não teve quis ficar mais ali. Resmungou que iria para casa e saiu. Scully queria ir atrás dele, mas ele era um adulto e claramente não queria ajuda dela. Ela não podia correr atrás dele de qualquer maneira. Xxxxxxx Mulder ficou dirigindo pela cidade sem um rumo definido. Havia sido injusto com Scully, que somente queria ajudá-lo. Ele se sentia um idiota. Afastar a única pessoa capaz de ajudá-lo não era, realmente, a decisão mais sensata a ser tomada. Mas, ao mesmo tempo, o que ele podia fazer? Dizer a ela o que estava acontecendo seria impensável. Entretanto, continuar daquele jeito também não era a melhor opção. Não havia uma maneira de, simplesmente, parar de usar a droga. Ele jamais conseguiria sem ajuda. Poderia buscar uma clínica, mas, sem documentos falsos, o FBI seria contactado imediatamente. E conseguir documentos falsos não era nada fácil. A não ser que pedisse ajuda aos pistoleiros solitários, mas eles, com certeza, acabariam contando tudo a Scully, principalmente se soubesse do porquê do pedido. Tudo voltava ao ponto de partida. Ele não queria dizer nada a ela, mas sabia que não havia como escapar disso. Mulder, no entanto, não sentia que tinha forças para isso. Encarar sua parceira e dizer-lhe o que estava ocorrendo parecia ser algo que superava toda sua força interior. Ele decidiu adiar o inevitável. Xxxxxxx Scully não queria deixar Mulder escapar com tanta facilidade. Havia algo muito errado com ele. Mulder parecia estar sempre zangado e deprimido e então, de repente, seu humor mudava. A médica dentro dela ficava insinuando a verdadeira razão daquelas mudanças. Mas ela conhecia Mulder, sabia que ele jamais se envolveria com esse tipo de coisa. Ela mal conseguia formular seu pensamento. Não tinha coragem de dizer a si mesma o que temia. Mas tinha que admitir. Os sintomas estavam todos lá. Ele estava tomando alguma droga. Mas o que seria? Mulder odiava injeções. Então ela podia descartar heroína e outras drogas injetáveis. Se ele estivesse cheirando ou fumando algo, ela já teria notado bem antes. Então, somente restava alguma droga que pudesse ser tomada por via oral. Talvez fosse alguma anfetamina, que apesar disso, tinham os mesmos efeitos viciantes das outras drogas. Deus, ela estava realmente considerando a possibilidade de Mulder estar envolvido com drogas. Já que chegara a esse ponto de conjecturar sobre isso, ela tinha que tomar alguma atitude. No passado, tendo Mulder se encontrado com problemas sérios, ela havia recorrido aos três amigos malucos, nos quais Mulder depositava inteira confiança. Mas, agora, ela não se sentia a vontade em pedir ajuda deles nesse caso. Não queria que, ao acabar o pesadelo, Mulder se sentisse desconfortável com seus únicos amigos. Somente restava Skinner. Mulder confiava em seu chefe e Scully tinha certeza de que Skinner faria de tudo ao seu alcance para ajudá-lo. E como o problema em questão não tinha nada a ver com a conspiração governamental contra a qual lutavam constantemente, Scully podia deixar de lado suas desconfianças em relação à Skinner e permitir que ele a ajudasse. Xxxxxxx Scully hesitou, adiando ao máximo a batida na porta do escritório de seu chefe. Quando finalmente o fez, Skinner a recebeu prontamente. “Bom dia, Agente Scully.” “Bom dia. Sinto muito incomodá-lo, mas eu realmente precisava falar com o senhor. A respeito de Mulder.” “Algum problema?” “Sim, na verdade....Eu... Bom, eu realmente não sei por onde começar.” “Que tal começar se sentando?” Scully sequer havia notado que ainda estava de pé. Seu nervosismo era evidente. Tudo o que ela queria era sair dali e esquecer tudo isso. Mas não podia, por mais que soubesse que o que estava para fazer destruiria boa parte do relacionamento que tinha com Mulder. Principalmente se ela estivesse enganada. Ela se sentou e respirou fundo. Antes que percebesse, já havia terminado de contar suas suspeitas à Skinner. Durante todo o tempo ele se manteve em silêncio. Seu rosto não demonstrava qualquer emoção. Scully começava a achar que ele não havia prestado atenção em nenhuma palavra do que ela dissera. Mas não era verdade. Skinner havia sim ouvido o que ela tinha dito e também ficara surpreso e de certa forma alarmado. Entretanto, ao contrário de Scully, ele tinha muitos anos de experiência no FBI e já havia sido um marine. Ele conhecia os limites das pessoas e sabia que às vezes era bem mais fácil ceder às drogas do que enfrentar problemas e terrores, tantas vezes inimagináveis para o cidadão comum. Mulder sempre havia lutado, com tanta energia contra assassinos, conspirações e sua própria culpa. Não era de todo surpreendente que, a algum ponto de sua vida, Mulder cedesse a algum tipo de fuga. Skinner podia compreender a situação, mas ainda assim tinha que tomar alguma atitude. “Scully, foi bom que você tenha me procurado. Se isso for verdade e alguém descobrir, Mulder pode ser demitido.” “Eu sei. Mas o que mais me preocupa é o bem estar dele.” “Vai ter que ter isso em mente quando ele souber o que nós iremos fazer.” Scully ficou alarmada. O que Skinner pretendia fazer? Xxxxxxx Uma sombra larga se juntou à sua própria silhueta. Quando percebeu esse fato, Mulder se virou, já na certeza de se ver diante de um agressor. Mas não havia ninguém. Apesar de seus instintos lhe gritarem o contrário. A sombra reapareceu e se movia para o outro lado da enorme sala. Mulder não sabia onde estava e a escuridão não ajudava. A pouca luz que iluminava a sala apenas servia para criar a sombra que o apavorava. Mulder começou a perceber que estava sonhando. Mas não era um simples sonho. Era pior que um pesadelo. A grande sombra continuava a seguir lentamente pela sala e ele não conseguia se mover com rapidez suficiente para sair dali. Quando, finalmente, conseguiu dar um passo à frente, sentiu sob seus pés algo mole, escorregadio e pegajoso. Ele não tinha idéia do que poderia ser, mas foi tomado por uma náusea intensa somente ao imaginar todas as coisas que poderiam ter aquela textura. Novamente, a sombra se moveu, dessa vez vindo em sua direção. Mulder tentou, mais uma vez, correr, mas a substância gelatinosa sob seus pés o fez escorregar e cair estrondosamente no chão imundo. Seu rosto tocou o chão e sua boca sentiu o gosto da estranha substância. Era sangue. Imensas, gordas, escorregadias bolhas de sangue coagulado. Mulder começou a cuspir e a náusea tomou conta de seu corpo com violência. Mal conseguia respirar ou se mover. Um leve estalar de madeira ecoou na sala escura. Um calafrio intenso tomou conta de seu corpo. Não havia mais nada que ele pudesse fazer. A sombra se aproximava cada vez mais e ele não conseguia se mover. Nem mesmo dizer a si mesmo que era um sonho estava ajudando. Apesar de não ser real, o terror era bastante real. Mulder sentia-se cercado. Olhou em direção à sombra, que agora estava perto o suficiente para tocá-lo. Levantou os braços, tentando se proteger de um possível ataque. Disse mais uma vez a si mesmo que era um sonho, mas no momento em que sentiu duas mãos fortes agarrando-o pelos ombros e puxando-o com força, Mulder já não tinha tanta certeza sobre o que era realidade e o que era imaginação. Já sem forças para lutar contra sua alucinação, se deixou levar pela sombra. Mas a trégua durou pouco. Milhões de agulhas perfuravam seu corpo, congelando seus ossos. O frio intenso retirou-lhe o ar dos pulmões. Mulder queria abrir os olhos, a boca, mas não conseguia. Tentou se afastar das agulhas que torturavam seu corpo, mas seus braços e pernas pareciam não mais lhe pertencer. Ele tentou gritar, mas sua voz desaparecia em meio ao intenso barulho que feria seus ouvidos. Eram pedras em um telhado que retumbavam, sem ritmo, palpitando dentro de seus ouvidos. A sombra o mantinha preso com força, enquanto gritava algo. Mulder tentou entender o que dizia, mas seus próprios gritos, unidos às pedras no telhado, produziam uma cacofonia insuportável. Quando achou que enlouqueceria, as agulhas desapareceram. Quando achou que ficaria surdo, as pedras cessaram de cair. O único som que ouvia, agora, era o de seus próprios gritos. O frio continuava, e ele tremia violentamente. Não conseguia parar de tremer ou de gritar. Depois de algum tempo assim, ele relaxou, vencido pelo cansaço. Com um último suspiro trêmulo, encostou a cabeça na parede e se deixou levar pelo sono. Xxxxxxx “Como ele está?” “Eu não sei, Scully. Realmente não sei. Achei que um banho gelado iria acordá-lo, mas ele adormeceu novamente.” “Bem, enquanto ele está dormindo não está se machucando.” Scully disse isso sem muito convicção. Quando ela e Skinner foram ao apartamento de Mulder, não pensaram que o encontrariam em condições tão precárias. Ele havia usado a droga, uma anfetamina, conforme Scully pôde descobrir ao limpar o apartamento. Aparentemente, a intervenção dela e de Skinner fôra providencial. Quando entraram no apartamento, encontraram Mulder deitado no chão, onde havia caído e ferido a boca e o nariz que sangravam em profusão. Quando Skinner correu para ajudá-lo, Mulder foi agressivo, obrigando Skinner a usar a força para mantê-lo parado. Em seguida, o levou para o banheiro, onde, segundo ele, uma ducha gelada seria o suficiente para fazer com que as alucinações terminassem. Agora, Mulder dormia profundamente, mas Scully não tinha ilusões. Não era um sono inocente, saudável. Era a pura exaustão que produzia um sono sem sonhos e sem repouso. E repouso era tudo o que os três precisavam e iriam precisar. Ela sabia que aquela havia sido somente a primeira batalha de uma guerra que poderia durar ainda muito tempo. Xxxxxxx Mulder acordou lentamente e sentindo-se estranhamente relaxado. A urgência que, normalmente, tomava conta de seu corpo quando ele se sentia privado da droga, não surgira. Não se lembrava do que ocorrera na noite anterior, mas sabia que algo acontecera. Uma alucinação ou um pesadelo. Não importava o que havia sido, restava o fato de que tudo estava arrumado demais e pior, ele estava dormindo em sua cama, coisa que dificilmente fazia, principalmente nos últimos tormentosos meses. Levantou-se devagar, como se não quisesse destruir a sensação de segurança que estava sentindo. Foi em direção à porta do quarto e ao abrí-la, silenciosamente, viu Scully e Skinner. Uma sensação de pânico o atingiu. Eles sabiam. O pesadelo da noite anterior havia sido compartilhado por eles. Mulder, sentindo-se derrotado e, agora, totalmente sem energia, voltou para a cama. Virou as costas para a porta e afundou a cabeça no travesseiro, tentando, com esse gesto, esconder-se, talvez dele mesmo, mas com certeza do mundo que o rodeava. Xxxxxxx Scully percebeu o movimento da porta e levantou-se para falar com Mulder. Skinner achou melhor deixá-la tomar esse primeiro passo. Agora que tinham certeza da natureza dos problemas de Mulder, não havia necessidade de meias palavras, e, nesse caso, Scully era a mais adequada para ter uma conversa sincera com ele. Ela entrou no quarto, encostando a porta atrás de si. Mulder estava quieto, parecia dormir, mas sua respiração denunciava sua agitação. De fato, ele sabia que ela estava lá, mas não queria encará-la. Dessa vez, no entanto, ela estava mais do que decidida a não deixá-lo virar as costas para ela. Nem que ela ficasse ali mesmo, imóvel, sem fazer absolutamente nada. Mas não era o que ela tinha ido fazer ali. Se aproximou de seu parceiro e tocou-lhe os cabelos, com delicadeza. Ainda estavam úmidos. Talvez ele estivesse com frio, ela pensou. Levantou-se para pegar o cobertor. Foi quando Mulder se virou e lhe falou pela primeira vez. “Porque ele está aqui, Scully?” Seu tom era ao mesmo tempo de surpresa e de raiva, mas ela não se deixou intimidar. Mulder parecia ter ficado mais zangado em vez Skinner do que ela, o que não era um mau sinal. “Ele veio me ajudar.” “Ajudar você? Porque?” Mulder realmente não entendia. Era difícil para ele aceitar que Scully precisasse de alguém que não ele próprio. Mas naquele momento ele era incapaz de ajudar a si mesmo. E ela não se sentia forte o suficiente para lidar com ele. Talvez tivesse medo dele, Mulder pensou com tristeza. “Mulder, você acha que eu sou capaz de tirar você dessa encrenca sozinha?” Ele não disse nada. Tinha chegado a um ponto onde nada podia fazer por si mesmo e agora percebia que o buraco onde se metera era tão fundo que nem mesmo Scully poderia salvá-lo, sem ajuda. Mas porque Skinner? Ela nunca confiara nele. Apesar de se fazer essa pergunta, ele não a formulou em voz alta. Não queria parecer relutante quanto a sua recuperação. Estava decidido a aceitar ajuda, qualquer ajuda, para sair daquele inferno onde se encontrava. Mas isso não apagava todos os sentimentos que o invadiam naquele momento. A vergonha, humilhação, medo. Todos sentimentos que já tivera, mas que tentava jamais demonstrar para sua parceira. Mas ao olhá-la nos olhos, ele percebeu que ela sabia, que Scully entendia o que ele estava sentindo. Mulder segurou a mão dela em um gesto de confiança e, mesmo que não precisasse dizer nada, ele agradeceu por ela estar ao lado dele. “Mulder, você não precisa me agradecer. Para dizer a verdade, acho que nos próximos dias você vai me odiar por querer ajudá-lo.” “Nunca. Eu nunca vou odiar você.” Ela esboçou um sorriso, que, provavelmente, foi o sorriso mais amargo que já tivera. Viciados, quando privados da droga, se voltam contra quem os ajuda. São, por muitas vezes violentos. Scully sabia o que estava por vir, e agradeceu por ter Skinner ao seu lado. Xxxxxxx Já eram duas da tarde. Mais de doze horas haviam se passado desde que Scully e seu chefe encontraram Mulder caído no meio da sala de seu apartamento. Desde aquele momento a única coisa que ele havia feito tinha sido comer e dormir. Diante dessa calma, Scully se sentiu segura o suficiente para liberar Skinner de suas funções de ajudante. Ele já havia ido embora horas antes e o silêncio reinava no pequeno apartamento. Scully não tinha muito o que fazer. Assistia um pouco de TV e até se aventurou a buscar o jornal. Estava quase cochilando no sofá quando ouviu o grito de seu parceiro. Xxxxxxx Ele acordou confuso, encharcado de suor e sentindo dores por todo o corpo. Não conseguia lembrar de onde estava, nem como havia chegado ali. Os poucos segundos de confusão foram suficientes para lançá-lo em um estado de pânico incontrolável. A entrada de sua parceira em seu quarto e sua rápida aproximação, não serviram para acalmá- lo. Em sua confusão ele não a reconhecia, em seu desconforto e dor ele somente imaginou que ela era o inimigo, alguém que o havia seqüestrado. Antes que Scully pudesse sequer tocá-lo, Mulder saltou em direção à ela, sem se importar com nada, querendo somente se defender do que, segundo ele, era um ataque. Scully, por mais que tivesse se preparado psicologicamente para isso, não estava de fato pronta para ver seu parceiro saltar enfurecido em sua direção. Por mais que ela sempre dissesse a si mesma que ele não a machucaria, naquele instante ela teve medo. Os poucos segundos antes do ataque não foram suficientes para fazer com que ela reagisse. Mesmo que ela tentasse, na verdade, ela não conseguiria pará-lo. Antes que ela pudesse se proteger do ataque, sentiu seu corpo ser jogado para trás, sua cabeça bateu violentamente na parede, mas, estranhamente, ela não sentiu uma dor imediata, e, apesar da violência do golpe, ela não desmaiou. Apesar de ainda estar tonta, ela acompanhou os movimentos de Mulder. Viu seu parceiro destruir cada peça de mobiliário do quarto. Ele parecia um homem enlouquecido. Batia com os punhos nos móveis, no espelho. Chutava as paredes. Scully se encolheu o máximo que pôde. Mais ainda quando alguns chutes a acertaram, com força. Ela recebia os golpes sem tentar se defender, mesmo porque ele poderia se descontrolar ainda mais e ela acabaria bastante ferida. Após o que lhe pareceram horas, ele se acalmou. Se encolheu em um canto, tremendo e suando, e dizendo coisas desconexas, que ela não podia entender. Scully percebia que ele estava mais lúcido, no entanto. Bastava ver seu olhar de medo e culpa. Ele já percebia o que havia feito, mas ela não queria correr nenhum risco em se aproximar dele. Ficou, também, quieta durante algum tempo. Vendo, no entanto, que Mulder não se movia e parecia estar dormindo, ela se levantou. Seu corpo doía, sua cabeça latejava. A confusão do quarto podia ser comparada à uma zona de guerra. Mas ela não tinha forças para arrumar nada. Mulder também não parecia estar em bom estado. Os punhos e braços sangravam, os estilhaços do espelho haviam cortado seu rosto e pescoço. Scully saiu do quarto, fechando a porta, e se permitiu, finalmente, chorar abertamente. Na realidade, nada poderia fazê-la parar de chorar, naquele momento, e ela agradeceu por Skinner não estar lá. Xxxxxxx Mulder a ouviu deixando o quarto. Ouviu a porta sendo fechada, mas, mesmo assim não tinha coragem de abrir os olhos. Sentia o ambiente abafado. O suor tomava conta de seu corpo. O gosto do sangue em sua boca demonstrava a violência que tivera lugar ali. E ele havia causado tudo aquilo. Ele tentou chorar, ao menos. Mas não conseguia. Seu corpo tremia e a única coisa que ele queria era poder tomar um comprimido de meta. A sensação de náusea aumentava, e as dores no corpo estavam ficando cada vez mais intensas. Ele queria pedira alguma coisa a Scully, mas não tinha certeza de que ela seria compreensiva em relação ao que ele fizera. Logicamente, ele não pediria a ela que lhe desse a droga, mas sim qualquer outro remédio. Algo que aplacasse a dor e a náusea que ele sentia. Mulder, no entanto, não tinha coragem o suficiente para ir atrás dela. Resolveu procurar, ele mesmo, algum medicamento, uma aspirina que fosse. Começou a vasculhar lentamente e com cuidado, mas, à medida que procurava, mais nervoso ele ficava e em minutos eles estava em uma busca frenética, não mais pela inútil aspirina, mas sim pela droga, da qual seu organismo sentia tanta falta. Xxxxxxx Scully estremeceu ao ouvir os ruídos vindos do quarto. Mulder estava destruindo tudo de novo, se é que havia ainda algo a ser destruído. Ela estava com medo, e dessa vez era, realmente, medo dele. Não hesitou nem mais um instante. Tinha que chamar Skinner. Quando ele finalmente chegou, Mulder ainda estava agitado e Scully se perguntava porque ele ainda não havia aberto a porta e começado a destruir o resto do apartamento. Skinner se assustou ao vê-la. Era visível que ela havia chorado, e parecia estar machucada. “Scully, você está bem?” “Isso não é importante agora. O que vamos fazer com ele?” Scully estava com medo, era óbvio para Skinner. Raramente ele pôde vê-la assustada e esse era um desses raros momentos. “O que você quer fazer?” “Eu quero que ele fique quieto, Ok!? Só isso!” Skinner não disse mais nada. Ele próprio já não sabia o que fazer. Mulder continuava a fazer bastante barulho no quarto e era certo que ele não se acalmaria sozinho. Restavam poucas opções. Internar Mulder em alguma clínica de desintoxicação ou prendê-lo à cama, esperando que a crise de abstinência diminuísse aos poucos. A primeira opção era a mais atraente, mas destruiria a carreira de Mulder. Por mais que Skinner e Scully estivessem zangados com Mulder, e quisessem resolver tudo o mais rápido possível, eles sabia que se destruíssem a carreira dele a coisa poderia piorar ainda mais. Skinner tinha consciência de que o trabalho, para Mulder, era como a própria vida. Sem isso, e perdendo a confiança em Scully, em pouco tempo ele estaria de volta ao problema contra o qual lutavam. Assim, sem ter outra saída, Skinner se preparou para um confronto com Mulder, estando pronto para algemá-lo, caso fosse necessário. Xxxxxxx Mulder estava exausto, não tinha mais onde procurar a droga. Sua respiração estava se tornando cada vez mais errática, e ele se sentia tonto e nauseado. Mas, ainda assim, ele não se permitiu sair daquele quarto e encarar sua parceira. Talvez, inconscientemente, ele estivesse se deixando sofrer, afastando-se dela, para, ao mesmo tempo expiar sua culpa e privá-la de mais sofrimento. Quando a porta se abriu, Mulder pensou que veria Scully, mas era seu chefe que vinha em sua direção. A expressão de raiva de Skinner era evidente. Mas Mulder não se deixou intimidar. “O que você está fazendo aqui?” “Acho que você sabe a resposta, Mulder. Quer que eu diga em voz alta?” Mulder sabia e não pretendia, de forma alguma, ter a verdade jogada na sua cara. A verdade era que Scully estava com medo dele. Com certeza ele a atingira, já que dentro do quarto era impossível encontrar qualquer objeto que ainda estivesse inteiro. “Ela está bem?” “Sim, Mulder, mas não graças a você.” Skinner fez questão de fazer com que Mulder se sentisse culpado. Esse sentimento, agora, poderia ser de grande ajuda na recuperação dele. Entretanto, no fundo, Skinner disse aquilo quase como uma vingança. “Eu sinto muito.” “Tenho certeza de que você sente muito, mas isso não resolve nada e nem muda o que você fez.” “Eu não queria fazer aquilo. Acha que eu agrediria Scully de propósito?” “Foi antes disso Mulder. Você fez tudo errado quando começou a usar essa porcaria. O que você estava pensando? Que usaria algumas vezes e iria parar quando bem entendesse?” Mulder não respondeu. Ele realmente achara isso. Na verdade, ele não pensara muito sobre as dificuldades que teria caso quisesse parar. Somente achava que, assim como havia começado, poderia simplesmente parar de usar a droga. Havia sido ingênuo ou estúpido. Ou ambos. Abaixou a cabeça e decidiu não discutir mais com Skinner. O que ele queria mesmo era conversar com Scully, mas não teve coragem de dizer isso a Skinner. “Vamos arrumar essa bagunça.” Skinner disse isso em sentido literal, mas também em sentido figurado, referindo-se não somente à bagunça do quarto, como também do caos que havia se transformado a vida de Mulder. Sem dizer mais nada, Mulder começou a juntar os pedaços de móveis e de espelho que estavam por toda parte. Os sintomas de abstinência haviam diminuído devido à adrenalina que ainda corria abundantemente no corpo de Mulder. Mas o cansaço já estava se apoderando dele. Entretanto, ele não tinha coragem de dizer isso à Skinner. Era melhor não irritá-lo. Em meia hora o quarto já parecia, levemente, mais habitável, e Mulder simplesmente desabou na cama e dormiu um sono povoado de monstros, imaginários ou não. Skinner o deixou e se surpreendeu ao não encontrar Scully no apartamento. Xxxxxxx Ela não havia ido embora, apesar de ser exatamente o que pretendia quando saiu do apartamento. Mas se deteve nas escadas. A única coisa que tinha impedido que ela largasse tudo para trás tinha sido seu senso de lealdade com Skinner, afinal ela havia pedido ajuda à ele e não seria justo que ela o deixasse arcar com todo o problema sozinho. “Se quiser ir para casa, eu fico aqui.” Scully se surpreendeu ao ouvir a voz de seu chefe. A oferta era tentadora. Ir para casa e tentar esquecer, mesmo que temporariamente, todos os problemas. Mas ela não se sentia confortável com isso. “Não é necessário. Eu posso ficar aqui.” “Scully, isso pode piorar. Ele pode ficar violento novamente.” “Eu sei, mas não acho justo que você fique tomando conta dele.” “E é justo prá você, Scully?” Você é somente a parceira dele.” “Eu sou amiga dele, além de parceira.” “Sei disso, desculpe. Eu sei que vocês são muito ligados, mas você acha que essa amizade pode resistir a tudo isso?” Era a mesma dúvida que ela tinha, mas mesmo assim ela se sentia responsável demais para, simplesmente, virar as costas para Mulder e, principalmente, para Skinner. “Estou pensando nisso tudo. E minha conclusão é essa. Eu não vou deixar Mulder enfrentar tudo isso sem que eu esteja ao lado dele.” Em seguida, Scully voltou ao apartamento de Mulder. Estava silencioso lá dentro. Scully queria ver Mulder, mas não conseguia chegar perto da porta do quarto, por mais que soubesse que ele estava mais calmo, naquele momento. Sentou-se no sofá, sem saber o que fazer ou o que pensar. Skinner sentou-se a seu lado, sem dizer nada. Ele via que ela estava exausta tanto física quanto mentalmente. Não havia nada que ele pudesse fazer naquele momento, mas ele não queria que ela estivesse sozinha quando Mulder acordasse novamente. Antes que ele se desse conta, Scully já havia adormecido. Xxxxxxx Já era noite quando Mulder acordou. Seu mal estar parecia ter diminuído bastante. Talvez Scully tivesse dado algo para ele. Mas ele duvidava. Era bem mais provável que seu corpo estivesse se acostumando à falta da droga, pensou com otimismo. Resolveu procurar por Scully, mesmo sabendo que ela não iria falar com ele. Mulder não achava que ela ainda estivesse no apartamento, e, assim, teve uma surpresa ao ver Scully no sofá, dormindo profundamente ao lado de Skinner, que também dormia. Lentamente, Mulder fechou a porta do quarto, decidido a não tirar o momento de paz de sua parceira. Ele se sentia como um lixo humano. Tinha se metido com drogas, agredido sua parceira. Ver Skinner, mesmo adormecido, ao lado de sua parceira lhe deu a sensação de que ela estava mais protegida do que quando estava com ele. Isso o fez sentir-se mal, afinal ele sempre se dispusera a protegê-la, e agora ela tinha que se proteger dele. Somente esse pensamento o deprimia ainda mais. Tomou uma ducha e novamente se deitou. Dormir parecia ser a melhor coisa a fazer, já que, enquanto dormia não tinha necessidade de drogas. Seus pesadelos lhe davam toda a alucinação de que necessitava. Xxxxxxx “Mulder?” Era a voz dela, ele sabia, mas não queria abrir os olhos, não queria encará-la. Além disso, havia decidido que não lhe causaria mais nenhum mal, e para isso era melhor que sequer falasse com ela. “Mulder, eu sei que você está acordado.” “E eu não sei o que você ainda está fazendo aqui. Devia estar em casa.” “Você sabe que eu não vou te deixar, Mulder.” “Pois devia.” A resposta veio seca e Mulder se ressentiu de ter usado esse tom, mas ao lembrar-se de todo o estrago do dia anterior, ele viu que já havia causado todos os danos que podia. “Não, Mulder, eu não vou deixar você enfrentar isso sozinho. Você precisa de alguém do seu lado.” “E você? Precisa dele do seu lado?” Mulder não conseguia entender porque tinha dito aquilo. Ele devia estar contente em saber que Skinner a estava ajudando, mas o máximo que conseguia dizer era que não queria a ajuda dele, como se ele pudesse tomar essa decisão por ela. Scully deve ter pensado a mesma coisa, já que sequer respondeu à pergunta dele. “Precisa de alguma coisa, Mulder? Está com fome?” “Só preciso que você vá embora, e antes que você ache que eu estou sendo grosseiro, eu quero dizer que estou falando sério. Você precisa descansar. E, além disso, acho que seu amigo aí pode resolver qualquer problema.” A ironia não escapou à Scully, e ela se sentiu um tanto ofendida. Mas não retrucou. “Vou trazer alguma coisa prá você comer.” Ela não iria ceder tão facilmente, Mulder já sabia disso. Quando ela voltou, trazendo um prato de sopa, ele resolveu voltar ao assunto. “Scully, eu posso ir para uma clínica. Não quero causar mais problemas.” Ele disse isso como se pedisse desculpas, com toda a humildade que a situação exigia, mas essa atitude começava a irritá-la. “Se você for, será demitido. Sabe disso.” Scully tentou dar um tom distante à resposta. Ele sabia bem os motivos para ela não mandá-lo para uma clínica. Ele estava somente fazendo seu habitual e infantil jogo de culpa, onde ele admitia que era culpado e merecia sofrer pelo erros que cometera. “Assim eu não iria causar mais nenhum transtorno.” Pronto, isso era o bastante. Scully estava cansada disso tudo. “Mulder, o que você quer que eu diga? Que você não está causando nenhum transtorno? É isso? Pois bem, você não está causando problemas, você é o problema!” Foi a vez dele se irritar. Tudo o que ele queria era que o deixassem em paz. Porque não podia ter ao menos isso? “Eu já disse como resolver isso!” “Sim, claro, do modo mais fácil, não é? Do mesmo modo mais fácil que você encontrou para resolver tudo!” “Eu não decidi isso! Eu não saí em busca de alguma droga para esquecer meus problemas!” “Mulder, você não pode ser tão ingênuo em achar que eu vou aceitar que tudo não tenha passado de uma fatalidade!” “Mas foi, Scully!!” Colocaram a droga na minha bebida!” “Apenas uma vez! Prá chegar ao estado em que você está agora você deve ter continuado a tomar aquela porcaria por muito tempo! E você poderia ter parado!” “E você acha que é simples assim? Acha que é só decidir e não usar mais?” “Mas seria bastante simples você pedir ajuda e você nunca pediu! Eu, praticamente, descobri por acaso.” “Ah, sim, claro. Você não percebeu nada, não é? Você não viu os sintomas? Você é médica! Acho que você não queria ver, tanto quanto eu não queria dizer nada!” “Sei, Mulder, agora a culpa é minha, não é?” “Não, mas eu não acho que o fato de eu não dizer nada seja o grande problema aqui.” “Mas é, Mulder!” “Não, Scully, o grande problema é que você não aceita que alguém tenha defeitos que você jamais teria.” “Se fosse assim, eu não trabalharia com você!” “Realmente, isso é um mistério.” “Acho melhor a gente não entrar nesse campo, Mulder.” “Viu? Mais uma vez você evita qualquer discussão que você não queira ter.” “Eu não sei como esse assunto possa ter algo a ver com o fato de que você não passa de um viciado!!” Ela disse a palavra viciado com a clara intenção de ferí-lo. Já não se importava com nada. Somente gostaria que ele ficasse tão magoado quanto ela estava se sentindo naquele momento. Mas ele não se deixou intimidar. “Tem tudo a ver, Scully. Eu teria contado a você, muito tempo antes, se eu não tivesse medo da sua reação!” “Medo da minha reação? Desde quando você se importa com a minha opinião, Mulder? Você sempre faz tudo do jeito que acha melhor, e aí dá tudo errado. E é só nesse momento que você começa a se preocupar com que eu penso!” “Está enganada. Eu me importo até demais com o que você pensa, senão eu não estaria nessa situação agora.” “Vai continuar, realmente, a dizer que a culpa é minha? Mas não é! E eu não vou continuar a ouvir isso!” Scully saiu antes que Mulder pudesse dizer mais alguma coisa. Ela estava furiosa. Como ele era capaz de dizer que ela, de alguma forma, era culpada? Ela havia cometido um erro, sim, ao não ver o que estava ocorrendo com ele, mas isso não apagava, de forma alguma, o fato de que ele não era nenhuma criança e que tivera chances de contar a ela seus problemas. Ela estava zangada demais para continuar ali. O melhor, realmente, era seguir o conselho de Skinner e ir para casa. Xxxxxxx Skinner havia ouvido boa parte da discussão entre os dois parceiros. O suficiente para perceber que Mulder, havia, mais uma vez, conseguido magoá-la. Scully disse que iria seguir seu conselho e iria para casa, e ele nada objetou. Era melhor assim, mesmo porque ele adoraria ter uma palavrinha a sós com Mulder. Xxxxxxx Mulder deixou o quarto pela primeira vez em dois dias. A sensação era estranha e ele se sentia ainda fraco. Ele não tinha ilusões de que tudo havia acabado e que havia se livrado da dependência com tanta rapidez. Não achou que Skinner ainda estivesse ali. Provavelmente havia ouvido toda a discussão, e, com certeza, já tinha uma posição tomada a respeito. Bastava ver o olhar de desaprovação em seu rosto para saber qual era essa posição. Mas Mulder não estava disposto a ouvir mais um sermão. “Eu vou andar um pouco.” “Não, não vai.” “Como é? Eu sou prisioneiro na minha própria casa?” “Você ainda não está pronto para sair, Mulder.” “Está preocupado com o que? Que eu saia por aí procurando algum traficante?” “Para dizer a verdade, eu não me importo, mas Scully quer que você fique aqui.” “Bem, eu não vou obedecer ordens dela, também.” Mulder se dirigiu para a porta, achando que Skinner não faria nada a respeito, mas foi surpreendido quando Skinner o segurou com força, jogando-o contra a parede. “Você não vai a lugar nenhum!” “Não pode me obrigar!” “Posso sim, e vou. Nem que eu tenha que te algemar na sua cama.” “Alguma fantasia sexual? Se for eu já aviso que você não é o meu tipo.” Mulder sentiu o punho de Skinner descer com força em seu rosto e ele teve certeza de que seu nariz não havia escapado ileso. A dor era intensa e o sangue escorria em abundância. Skinner, no entanto, não pareceu se importar com os danos que havia causado. Se afastou de Mulder e sentou-se no sofá, sem dignar-se a, sequer, olhar para ele. Mulder se levantou e foi até o banheiro, esperando que uma toalha molhada ajudasse a interromper o fluxo de sangue. Ainda queria deixar o apartamento, mas não tinha condições de passar por Skinner. Ele não tinha intenção de procurar algum traficante, conforme havia insinuado. Queria somente sair um pouco. Deitou-se, esperando quer o sangue parasse de escorrer. Foi nesse momento que seu organismo, novamente, se rebelou contra a ausência da metanfetamina. Cada junta de seu corpo doía, cada músculo se contraía violentamente. Sua cabeça latejava como se alguém estivesse dando-lhe marretadas. Os calafrios eram intensos e o suor molhava toda a sua roupa. Mulder curvou-se quando uma caimbra intensa atingiu seu estômago. Queria pedir ajuda, mas duvidava que Skinner pudesse lhe dar a ajuda que necessitava. Esse ataque parecia ser muito pior que o anterior, talvez porque ele estava mais lúcido dessa vez. Enfim, a dor ficou tão intensa que Mulder já não conseguia mais respirar e acabou gritando. Skinner o ouviu, mas não foi imediatamente ver qual era o problema. Ele já sabia o que estava ocorrendo, na verdade, ele não tinha muito o que fazer. Scully poderia ter deixado algum medicamento que substituiria, aos poucos, a necessidade da droga no organismo de Mulder, mas Skinner havia procurado e não havia achado nada. Ela não respondia ao telefone. Provavelmente, ainda não havia chegado em casa, mas era estranho que seu celular estivesse desligado. Bem, depois daquela discussão com Mulder, ele não se surpreendia que ela não quisesse sequer pensar em seu parceiro, ao menos temporariamente. Mas, como Skinner agora percebia, ela não havia escolhido uma boa hora para dar esse tempo. Enfim, Skinner, entrou no quarto, sem saber o que fazer, a não ser tentar impedir que Mulder se ferisse. Mas era um temor vão. Mulder parecia incapaz de se mover e a única coisa que fazia era contorcer-se de dor e gritar. E a Skinner não restava nada a fazer senão ficar ali, parado, inutilmente. Ele sabia que se Scully estivesse ali, ela faria alguma coisa. Mas não adiantava se lamentar. Mulder havia cavado o próprio buraco em que se metera e ele próprio deveria sair de lá. Xxxxxxx Scully estava furiosa com Mulder. Como ele podia, simplesmente, alegar que ela deveria saber? Era ridículo! Ela não era a mãe dele, não era obrigada a saber tudo sobre ele. Ela tentou afastar seus pensamentos de Mulder. Nos últimos dois dias experimentou sentimentos em relação à ele que preferia jamais ter tido. Sentia raiva, principalmente. Raiva por ver um homem que tinha tido tanta força para lutar contra tantas desventuras, agora ter se entregado à uma tentação tão conhecida, mas não menos perigosa. Era como se ele tivesse feito um pacto com o outro lado, de forma consciente. E o pior, era como se a tivesse abandonado, mentindo como fizera. Pensar nisso a irritava ainda mais, pois lhe lembrava a acusação que ele fizera, que ela sabia o que estava havendo, somente não queria admitir. Não era verdade, ela se dizia. Mas era verdade que, agora, ela estava virando as costas para ele. Por alguns instantes, Scully deixou um pouco a raiva de lado para examinar os últimos acontecimentos. Mulder havia dito tudo aquilo somente para afastá-la. Era isso o que ele queria desde que ela e Skinner o haviam encontrado, e Scully havia feito, exatamente, o que ele queria. Ela se perguntou como havia se deixado manipular por ele dessa forma. Mas não iria deixá-lo sair-se vitorioso dessa forma. Antes de chegar em casa, Scully fez o retorno e voltou ao apartamento de Mulder, passando antes em uma farmácia onde comprou alguns medicamentos que ajudariam Mulder em sua recuperação. Xxxxxxx Skinner estava sem ação. A agitação de Mulder, sua agonia, pareciam agora estar afetando mais do que a paciência de Skinner. Ele, de fato, começava a achar que a vida de Mulder é que estava em perigo. Os tremores não cessavam, o suor descia abundantemente por todo o corpo, e Mulder mal respirava devido às fortes dores que sentia. Skinner se perguntava se Mulder agüentaria mais meia hora daquela agonia, e começava a se perguntar se não seria melhor chamar uma ambulância. Quando Mulder parou, subitamente, de se mover, Skinner teve a certeza de que deveria chamar ajuda. Já não se tratava mais de salvar a carreira de Mulder, mas sim de salvar-lhe a vida. Skinner se aproximou dele, somente para ter certeza de que ele respirava. Mas ele já não respirava mais e após um rápido exame Skinner constatou que ele não tinha pulso. Correu imediatamente para a sala, onde estava o único telefone inteiro do apartamento, mas antes que discasse o número da emergência, a porta se abriu. Xxxxxxx Scully viu a expressão de Skinner e soube, naquele exato momento, que havia algo muito errado. Correu para o quarto, onde encontrou seu parceiro desfalecido. Iniciou, imediatamente, os procedimentos de emergência. Ouvia Skinner pedindo uma ambulância. Rezou para que conseguisse fazer Mulder voltar antes da chegada da ambulância. Primeiro, porque ele não podia ficar tanto tempo sem respirar, segundo, porque, caso entrasse em um hospital, nem ela, nem Skinner, poderiam fazer nada para impedir que o FBI fosse comunicado. Scully estava se sentindo mal, a cabeça doía intensamente, e ela se sentia enjoada, mas não podia parar de tentar salvar Mulder. Skinner entrou no quarto e tentou ajudá-la, pressionando o tórax de Mulder, enquanto ela realizava a respiração boca a boca. O tempo passava cada vez mais veloz. O suor que molhava o corpo de Mulder começava a secar, deixando sua pele com uma aparência cadavérica. Na verdade, Scully sentia como se estivesse tentando trazer a vida um cadáver. O corpo dele estava gelado, talvez devido ao choque que antecedeu a parada cardíaca. Não havia vida ali, ela sabia, mas não podia desistir. Jamais desistiria. Somente até a ambulância chegar, ela dizia. Somente mais alguns instantes. Mas os minutos passavam, e a maldita ambulância não chegava, e enquanto isso sua cabeça parecia explodir em batidas cada vez mais fortes, e Skinner seguia o ritmo, sem saber, tentando dar vida a um coração morto, simplesmente lançando o peso de suas mão sobre o tórax de Mulder. E ela tentava soprar-lhe a vida, mesmo que, a cada sopro, ela tivesse, cada vez mais, certeza de que soprava o vazio. Ele estava morto. Xxxxxxx Scully sentia a mão de Skinner em seu ombro, talvez querendo dizer- lhe que era tarde demais. Ela ainda tentava fornecer ao corpo sem vida o oxigênio de que necessitava, mas ela própria mal conseguia respirar em meio aos soluços que já não podia controlar. Suas lágrimas molhavam o rosto de Mulder, o qual ela, estranhamente, tentava enxugar, com delicadeza, como se, assim agindo, retirasse a dor que ele pudesse estar sentido, afastasse todo o mal que pudesse existir. Skinner, finalmente, a afastou de Mulder, tentando, de alguma forma, fazê-la não olhar para o corpo sem vida que jazia na cama. Ela fechou os olhos, em um esforço para controlar suas lágrimas, que insistiam em cair. Não percebeu quando Skinner foi até a porta e fez com que a atrasada equipe de paramédicos entrasse. Preferiu não olhar quando eles iniciaram os, também tardios, procedimentos de ressuscitação. Queria ser surda para não ouvir os termos médicos que indicavam que uma agulha estava sendo inserida diretamente no coração de Mulder. Queria estar longe dali para não saber que uma descarga elétrica estava sendo disparada no peito inerte dele. Mas, acima de tudo, queria não ter o filete de esperança de que tudo aquilo o traria de volta. A cada descarga elétrica, seu próprio coração parecia saltar do peito e a esperança ressurgia, somente para desaparecer quando a equipe se preparava para a próxima descarga. Ela não contou quantas vezes eles tentaram. Ela mal conseguia pensar, na verdade. Naquele momento seu cérebro era incapaz de formular qualquer raciocínio lógico. Seu corpo, sua mente, o próprio ar que respirava, eram compostos somente de átomos de esperança que se fundiam e em seguida se rompiam deixando-a em um estado cada vez mais desesperador. Skinner estava absorto, observando os procedimentos médicos e rezando para que o salvassem. Tão absorto que não viu a palidez de Scully acentuar-se. Tão perdido em sus pensamentos que não a viu cair no chão, sem sentidos. Quando finalmente a viu, deixou de dar atenção à luta inútil que era travada entre os paramédicos e Deus, para socorrer Scully. Não viu quando eles levaram Mulder em uma maca, já que tentava acordar Scully. Se lhe perguntassem, não saberia dizer se o levaram com um lençol sobre ou rosto ou se ainda, teimosamente, tentavam vencer a morte. Sua única preocupação, agora, era ela. Xxxxxxx Tudo parecia estar fora de foco, a realidade e o sonho tornaram-se uma coisa só. Era difícil sentir qualquer odor, ouvir qualquer som. A boca seca não tinha qualquer gosto a ser provado, nem o gosto de pasta de dente, ou do gosto ruim da falta dela. Um burburinho, longínquo, agora se fazia ouvir, mas, ainda assim, parecia irreal. Aos poucos seus sentidos foram voltando. Quando, finalmente, abriu os olhos, percebeu que estava em um hospital. Mas porque? Ao se perguntar isso, se lembrou imediatamente do que ocorrera, e desejou que não tivesse lembrado. Mulder estava morto. Xxxxxxx Skinner entrou lentamente no quarto. Não queria acordá-la, caso ela estivesse dormindo. Mas ela não estava. Seu rosto estava impassível, o olhar perdido em direção à janela. “Scully, se sente melhor?” Ela não se moveu e sequer respondeu. Skinner tinha certeza de que ela nem ao menos tinha ouvido. Se aproximou dela e tocou-lhe as mãos. “Scully, ele está vivo. Está me ouvindo? Eles o trouxeram de volta. Mulder está vivo.” Lentamente, talvez por ter ouvido o nome de seu parceiro, ela voltou sua atenção para Skinner. Seu olhar era confuso, como se estivesse tentando compreender uma complicada operação matemática. Skinner repetiu diversas vezes o que dissera, sempre segurando sua mão, tentando trazê- la de volta à realidade. Até que, finalmente, ela deu sinais de que havia entendido o que ele tinha dito. “Ele está consciente?” “Não. Está inconsciente desde que chegou. Mas não há morte cerebral. Os médicos disseram que existe esperança de que ele se recupere bem.” “Ele ficou sem respirar por muito tempo.....Skinner, porque eu estou aqui?” “Não se lembra? Você desmaiou. Tinha um galo na cabeça, o médico que te atendeu disse que você estava com uma concussão. Lembra de ter batido a cabeça?” Scully apenas balançou a cabeça, indicando que não sabia como havia se machucado, mas ela se lembrava bem do momento em que Mulder a tinha jogado contra a parede. Isso agora não importava, de qualquer forma. Mulder ainda corria perigo e ela estava cansada de tantos desentendimentos. Tudo o que ela queria era levantar-se dali e ir ver como Mulder estava. Quando Skinner percebeu que ela fazia menção de se levantar, ele a interrompeu. “Não, Scully. Ainda não, Ok? Você precisa descansar mais um pouco. Eu prometo que te mantenho informada.” “Eu preciso vê-lo. Só isso.” Ela parecia bastante decidida e Skinner sabia de que uma decidida Scully era capaz. Xxxxxxx Ele estava vivo, mas somente os aparelhos que monitoravam seus batimentos cardíacos indicavam isso. Seu corpo parecia sem vida de tão pálido que se encontrava. Seus olhos estavam marcados por profundas olheiras. A boca seca era invadida pelo tubo que o ajudava a respirar. Scully conhecia tão bem toda aquela aparelhagem e conhecia tão bem seu parceiro, mas ao ver Mulder dependendo daqueles aparelhos lhe trazia à mente uma imagem estranha, como se ele fosse um alienígena, que estivesse sendo submetido a experiências pelos humanos. Ela se aproximou dele. Não queria tocá-lo, já que, antes mesmo de sentir sob seus dedos a pele gelada, já sabia qual seria a sensação que sentiria. Mas ela não pôde evitar. Passou a mão na testa dele e afastou, delicadamente, alguns fios de cabelo desalinhados. Queria que ele acordasse, que a olhasse nos olhos e dissesse que estava tudo bem. Queria tanto ouvir a voz dele, de novo. Mas, acima de tudo, ela própria queria que ele a ouvisse. Desejava pedir-lhe desculpas por tudo o que dissera. Por mais que ela tivesse achado que tinha razão, ou por mais que, na verdade, tivesse razão, ela não achava, agora, que tivesse o direito de tratá- lo da forma com que tinha tratado. Ele estava frágil, e não somente fisicamente. Mas ele não acordou, por mais que ela chamasse seu nome. Xxxxxxx Scully deixou o hospital no mesmo dia. Ainda sentia o corpo cansado, a cabeça dolorida, mas no geral ela estava bem. Fisicamente, ao menos. Não queria deixar Mulder, mas não havia nada o que pudesse fazer. Ela e Skinner conseguiram convencer os médicos de que Mulder tivera uma reação adversa a um medicamento, mas Scully tinha certeza de que eles não haviam acreditado na história. Entretanto, Scully confiava que eles não fariam nada a respeito, já que Skinner havia assinado um termo como responsável por Mulder. Assim, após os dias de extrema tensão, Scully percebeu que grande parte dos problemas estavam se resolvendo. Mulder se recuperaria de sua dependência e não seria demitido. Restava somente saber se ele não havia sofrido danos cerebrais devido à falta de oxigênio. Por enquanto, essa resposta teria que esperar e ela se permitiu ir para casa descansar. Skinner cuidou da papelada referente aos dias de ausência dela. Quanto a Mulder, oficialmente, ele estava doente, internado no hospital, como estivera tantas outras vezes, o que não admiraria ninguém. Xxxxxxx Os dias, e em seguida as semanas, se passaram. Scully voltou ao trabalho, e tudo parecia ser normal, a não ser por Mulder, que continuava no mesmo estado em que se encontrava quando havia sido internado. Scully começava a temer o pior. Que Mulder pudesse ter sido, permanentemente, afetado pelo ocorrido. No início havia sido difícil para ela tentar retomar seu ritmo normal, mas, agora, dois meses depois, ela já se resignara, apesar de manter uma esperança de que ele acordaria. Aceitou, de bom grado, uma parceria com um jovem agente na Seção de Fraudes. Era uma ocupação que exigia pouco trabalho de campo e, menos ainda, sua formação acadêmica. Por isso ela se sentia como se houvesse mudado de profissão. Ela tinha certeza de que a escolha de Skinner para sua mudança havia sido proposital, mas não tinha intenção de se rebelar à isso. Tomava esse novo tipo de trabalho como um verdadeiro descanso. Suas esperanças de que Mulder se recuperaria ainda persistiam, entretanto ela não tinha ilusões de que ele retornaria ao trabalho, algum dia. Xxxxxxx Ele estava, de uma forma estranha, perfeitamente consciente do que se passava ao seu redor. Sentia o sol da manhã entrar pela janela, e, às vezes, uma fresta de luz batia em seus olhos. Alguém sempre vinha e fechava a cortina. No início ele se perguntou como a pessoa sabia que a luz o incomodava, mas depois chegou à conclusão de que a pessoa passava sempre no mesmo horário e fazia as mesmas coisas. O cheiro era de hospital, ele tinha certeza. À medida que o tempo passava, Mulder se lembrava cada vez mais, dos fatos que o levaram àquele hospital. Tinha flashes e às vezes sonhos, que contavam tudo o que ele preferia não saber. Via-se discutindo com Scully e a agredindo fisicamente, e isso era o que mais lhe doía. Quando acordava desses sonhos, apesar de não conseguir abrir os olhos, Mulder usava seus sentidos restantes para procurar por ela. Tentava sentir seu perfume, ou ouvir sua voz. Lembrava-se de tantas outras vezes em que estivera em hospitais e Scully estivera sempre ao seu lado, segurando sua mão. Mas, nesse momento, sua mão estava vazia, assim como o quarto de hospital. Mulder havia tentado, tantas vezes, chamar a atenção da enfermeira, ou levantar-se da cama, mas ele sequer conseguia abrir os olhos. Às vezes, essa imobilidade o irritava. Outras, o apavorava. Sentia-se prisioneiro de seu corpo. Temia o esquecimento. Temia que desistissem dele, desligando algum aparelho que o estivesse mantendo vivo. Ele, realmente, não sabia se, para viver, estava dependendo de alguma máquina. No passado, poderia ter dito que jamais gostaria de ser mantido em vida daquela forma, mas, agora, tinha medo. Medo de que não o deixassem tentar abrir os olhos mais uma vez. Ele somente queria mais uma chance, mais um dia, mais uma fresta de luz sobre seus olhos, mesmo que isso o incomodasse. Mas, acima de tudo, ele queria esperar que Scully aparecesse e segurasse sua mão. Talvez amanhã. Ele queria esperar até amanhã. Xxxxxxx Era a primeira vez, em meses, que Scully viajava e, mesmo sendo a serviço, ela sentia como se estivesse tirando férias. Realmente, sair um pouco da cidade havia sido uma boa coisa. Ela, agora, parecia estar vendo as coisas por uma nova perspectiva. Era como se visse seus problemas de longe. Bem, na verdade, pensou se recriminando, seu único problema era o estado de coma de Mulder e ela havia, na realidade, se mantido afastada dele. Ela havia sido injusta, insensível, até. Scully sabia que o melhor para ele era que a tivesse por perto, mas ela jamais pôde suportar a visão de Mulder, deitado em uma cama de hospital, definhando lentamente. Scully já acreditava que Mulder jamais acordaria, por mais que ela quisesse que isso acontecesse. Assim, enquanto Scully tentava se afastar de Mulder, ele tentava retornar à vida. A vontade de Mulder era bem mais forte do que a dela, mas, infelizmente, quando Mulder finalmente abriu os olhos, ela não estava lá. De certa forma, os dois venceram. Xxxxxxx Ele conseguia mover os braços e a cabeça. Tinha certeza de que poderia se levantar e andar, mas não naquele momento. O que ele queria era somente retirar as sondas que perfuravam seu braço. Por sorte, não havia qualquer tubo em sua boca. Não seria uma sensação muito agradável, ainda mais porque não havia ninguém por perto para ajudá-lo. Mulder olhou em volta, procurando por sinais de que Scully estivera lá. Foi uma esperança vã. Ele olhou para a janela. Já era noite, mas ele não podia precisar que horas eram. Era uma pena que a janela estivesse trancada. Mulder daria tudo para sentir um pouco da brisa gelada que balançava as folhas das árvores. Teria que deixar essa ansiedade para o dia seguinte, quando a enfermeira veria que ele estava acordado e bem, e os médicos o deixariam ir embora. Ele procuraria por Scully e lhe pediria desculpas. Seus planos eram, de fato, bem simples, mas haviam certos temores. Como ele não estar tão bem quanto pensava, ou Scully não aceitar suas desculpas. Bem, ele teria, de qualquer forma, que esperar que o dia seguinte chegasse para saber se tudo daria certo. Mas, naquele momento, sua única preocupação era não dormir. Temia que, se dormisse profundamente, perderia a chegada da enfermeira. De qualquer forma, ele não estava com sono. Já dormira demais. Xxxxxxx A fresta de luz o acordou, novamente, mas dessa vez ele abriu os olhos e chamou pela enfermeira, que, como sempre fazia, já fechava a cortina. Ela mal falou com ele. Disse apenas para ele não se mover e saiu do quarto. Rapidamente retornou, dessa vez acompanhada de um médico, que começou a fazer um monte de perguntas a Mulder, enquanto ele próprio somente tinha uma pergunta a fazer. Quando sairia dali? Mas o médico ignorou sua pergunta e saiu do quarto, seguido pela enfermeira. Ele estava, de novo, sozinho. Xxxxxxx Skinner desligou o telefone, ainda atônito. Mulder havia acordado, e, segundo os médicos, ele não havia sofrido danos cerebrais, mas, apesar disso, eles queriam submetê-lo a alguns exames. Skinner lutou, por alguns instantes, contra a vontade de ligar para Scully e contar as novidades. Ele sabia que Scully gostaria de saber, mas ao mesmo tempo, era a primeira vez, em meses que ela, de fato, se distanciava das preocupações a respeito de Mulder. Não seria justo arrastá-la de volta, ainda mais quando Mulder deveria, ainda, submeter-se a exames. Skinner atrasou, ele próprio, sua ida ao hospital. Xxxxxxx Mulder passou o resto do dia sob as atenções dos médicos. A sucessão de doutores e enfermeiras era interminável. Mas, apesar de tanta atenção, ele se sentia sozinho. Perguntou a um dos médicos se alguém havia sido avisado e ele disse que seu chefe viria mais tarde. Mulder ainda perguntou por Scully, mas ninguém, sequer, lhe respondeu. A noite chegou e passou. Mulder tentou dormir, mas era difícil conciliar o sono quando somente se perguntava porque ela não estava lá. De alguma forma, ele adormeceu, quando o dia já clareava. Acordou com o barulho de vozes. Reconheceu uma delas. “Skinner. Onde ela está?” Skinner se assustou com a rápida pergunta. Não esperava que Mulder fosse estar tão lúcido. “Está viajando. Ela volta em alguns dias. E você, como se sente?” Mulder ignorou a pergunta. “Pode ligar prá ela? Eu queria falar com ela.” “Ela está trabalhando, Mulder. Não vai poder largar tudo prá vir para cá.” “Eu só quero falar com ela.” A irritação na voz de Mulder não passou despercebida a seu chefe. “Acho melhor você se acalmar.” “Eu estou calmo. Agora liga prá ela!” “Não. Ela volta em alguns dias, enquanto isso você se recupera o suficiente para sair daqui.” “Droga! Eu só quero falar com ela nesse maldito telefone!” Os gritos de Mulder sobressaltaram não somente o médico, mas até mesmo Skinner. O médico, no entanto, resolveu intervir. “Sr. Mulder, o senhor precisa descansar agora. Essa agitação não vai ajudá-lo em nada.” Mulder, no entanto, parecia não tê-lo ouvido. “Ela não quer me ver. É isso?” “Não, Mulder. Eu já disse. Deixe-a descansar.” “Você disse que ela estava a trabalho.” “Sim, ela está, mas ela também está descansando.” “É você que não quer que ela me veja novamente!” “Isso é ridículo. E eu não vou ficar aqui ouvindo você. Pelo jeito você está completamente recuperado. Sua paranóia está em um nível aceitável.” Skinner deixou o quarto sem dar chance a Mulder de retrucar. Ainda o ouviu gritar que pagaria por isso, ou algo assim. Percebeu, então, que havia tomado a decisão certa ao não chamar Scully. Xxxxxxx A princípio, Mulder estava somente zangado, mas a raiva começou a ceder, e a razão tomou seu lugar. Ele não deveria ficar com raiva de Skinner. Provavelmente, ele não queria que Mulder falasse com ela, somente porque sabia que ela é que não tinha intenção alguma de vê-lo novamente. Scully não estivera no hospital, nenhuma vez, ele tinha certeza disso. E ela tinha razão em não querer mais, sequer, falar com ele. Mulder sabia que havia não só magoado e ferido fisicamente sua parceira e amiga, mas, também, a havia decepcionado, de forma irremediável. Era melhor que ele se conformasse que a amizade e parceria dos dois havia acabado. E que ele é que havia feito isso. Portanto, não adiantava mais ter raiva de ninguém e nem tentar revê-la. Xxxxxxx Alguns dias se passaram e Mulder havia feito muitos exercícios de fisioterapia e mais exames. Fisicamente, estava quase completamente curado. Queria retornar para casa, mas não ousava pedir que alguém chamasse Skinner e lhe perguntasse se ele ainda tinha uma casa. Mas não foi necessário. Ao receber alta, Skinner já aguardava por ele na saída do hospital. Os dois seguiram em silêncio até o apartamento de Mulder. Uma vez lá dentro, Mulder sentiu-se como um estranho. O apartamento estava diferente, mais organizado. Com certeza, Scully ou até mesmo seu chefe, havia mantido o apartamento em perfeito estado. “Vocês pagaram o aluguel?” “O FBI se encarregou disso. Descontando do seu salário.” “Então eu ainda tenho um emprego. A quem devo agradecer por isso?” “Sua sorte.” Dizendo isso, Skinner saiu, deixando Mulder sozinho em seu apartamento. Skinner não tivera coragem de ligar para Scully contando as novidades. Da última vez que falara com ela ao telefone, Mulder já havia recuperado a consciência. Mas ela dedicou toda a conversação para falar sobre o caso em que trabalhava. Skinner achou aquilo estranho, a princípio, afinal ela não precisava fazer um relatório por telefone. Ele chegou à conclusão de que ela ligara para saber de Mulder, mas decidiu não perguntar nada. Skinner poderia ter-lhe dito a verdade, mas sabia que ela largaria tudo e viria correndo. Tendo em vista o último encontro com Mulder, que se comportara de forma tão agressiva, Skinner achou que, realmente, havia tomado a decisão correta. Xxxxxxx Mulder se apresentou no Bureau o mais rápido possível. Percebia os olhares que lhe eram direcionados, enquanto caminhava rumo à sala de Skinner. Kimberly, a secretária de seu chefe, hesitou antes de chamar Skinner e fazer com que Mulder entrasse. Ela jamais havia visto o Agente Mulder agir com um ar tão arrogante e quase agressivo. Ele parecia haver mudado, e muito. Xxxxxxx Skinner não esperava ver Mulder tão cedo de volta ao trabalho, e esperava, menos ainda, ver que sua atitude naquele dia no hospital, continuava a mesma. Mulder entrou sem dizer nada e se sentou em frente à mesa de Skinner. “Eu ainda trabalho nos Arquivos X?” “Bom dia para você também, Agente Mulder.” “Eu queria pular essa baboseira de gentilezas e ir ao ponto que interessa. Vai responder à minha pergunta?” “Sim, Agente Mulder. Você continua na mesma seção.” Antes mesmo de terminar a frase, Mulder já estava fechando a porta atrás de si. Foi direto para o porão. Ainda não tinha idéia do que iria fazer, mas algumas coisas já estavam bem definidas. Ninguém se aproximaria dele. Nunca mais. Xxxxxxx Scully retornou, mas não foi diretamente ao FBI. Precisava descansar, e, por sorte, havia um final de semana no meio do caminho. E ela pretendia aproveitar cada minuto daqueles dois dias. Desligou seu telefone celular, e deixou o telefone fixo na secretária eletrônica. Não ouviu quando Skinner ligou, e não checou as mensagens na secretária eletrônica. O fim de semana passou, e, na segunda feira, ela se dirigiu ao trabalho, sem saber que Mulder estaria lá, trabalhando no mesmo prédio. Xxxxxxx Skinner havia deixado um recado para Scully. Precisava falar com urgência com ela. Scully notou uma certa tensão em seus colegas quando lhe deram o recado, mas não perguntou o que estava ocorrendo. Talvez Mulder não estivesse bem, ela imaginou. Sem esperar mais, ela se dirigiu à sala de Skinner. Chamou o elevador e esperou impacientemente que chegasse. Quando, enfim, a porta se abriu, ela entrou sem, nem ao menos, notar que havia somente uma pessoa lá dentro. Um homem. Mulder. Xxxxxxx Ele a viu imediatamente, mas não disse nada. Scully não o havia notado, e ele se sentia desconfortável. Tinha que falar com ela. Não havia outra coisa a fazer. Mas os números no painel se sucediam e ele se retraía cada vez mais no fundo do elevador. Sentia o perfume dela, ouvia sua respiração. Sua presença era quase palpável. Finalmente, o elevador parou. A porta se abriu e ela foi embora. Estava indo para a sala de Skinner, pôde notar. Imediatamente, ele apertou o botão para retornar a seu escritório. A porta se fechou, lentamente. Ele já não se era tão importante para ela, como ela ainda era para ele. Mulder era capaz de perceber a presença dela em qualquer lugar, mas, aparentemente, ela fôra incapaz de notá-lo dentro de um elevador onde estavam somente os dois. Talvez tivesse passado pela cabeça de Mulder que ela ainda achava que ele estava em coma, naquele hospital. Mas a explicação mais lógica era que ele era somente um colega de trabalho para ela. Se Mulder ainda tinha esperanças de voltar ao antigo ritmo, tendo Scully, fielmente, ao seu lado, no momento em que ela saiu daquele elevador, todas essas esperanças foram junto com ela. Ele agora percebia que seu grande erro não havia sido, propriamente, ter se envolvido com drogas, mas sim, ter achado que o vínculo que tinha com sua parceira suportaria esse erro. Agora ele via o quanto estivera errado. Decidiu retornar ao povão e trabalhar sozinho, como já deveria ter feito há tempos. Xxxxxxx Enquanto caminhava em direção à sala de Skinner, Scully tinha a sensação, cada vez mais forte, de que algo estava muito errado. Passava pelas pessoas sem sequer notá-las, e fez o mesmo com a secretária de Skinner. Ele, no entanto, não pareceu irritado por sua intrusão. “Scully, ainda bem que recebeu o meu recado.” “O que houve? Foi Mulder? Ele está bem?” “Calma. Ele está bem. Eu devia ter falado antes, desculpe. Ele acordou. Já teve alta.” “Como é?? Onde ele está?” Ela estava zangada, mais do que Skinner previra que ficaria. Na verdade, ele havia subestimado, totalmente, os sentimentos dela. “Trabalhando, Scully. Provavelmente está no porão, agora. Mas antes que você saia correndo, eu queria te avisar e te explicar porque eu não disse nada.” Scully conteve o impulso de largá-lo falando sozinho e ir diretamente ao porão. “Ok, fale.” Ela foi seca, demonstrando de forma inequívoca, que estava irritada. “Ele está diferente. Está agressivo, se irrita com facilidade.” “E acha que ele seria agressivo comigo?” “Não seria a primeira vez.” “Ele estava doente. E além do mais, porque você acha que pode decidir por mim se eu devo ou não falar com ele?” “Eu só não queria que ele a magoasse.” “Mesmo que isso aconteça, ainda é entre mim e ele. Olhe, eu agradeço imensamente a ajuda que o senhor deu a ele, mas acho que agora eu posso assumir.” Antes que ele pudesse reagir, Scully pediu licença e seguiu para o porão. Xxxxxxx A porta se abriu, mas Mulder já sabia que era Scully. Ele manteve sua decisão de não olhar para ela. “Mulder? Skinner não me disse que você estava bem.” Ela queria abraçá-lo, mas percebeu que o que Skinner dissera era verdade. A raiva estava estampada no rosto dele, se via pelo modo rígido com que mantinha seus braços em cima da mesa. Mulder ficou em silêncio. Não tinha intenção alguma de falar com ela. Se o fizesse, ele próprio não saberia como reagiria. “Por favor, Mulder. Não pode fazer isso.” “Fazer o que???” Mulder não tinha conseguido manter seu controle e agora já demonstrava sua raiva, de forma clara. “Tentar se afastar dessa forma.” “Mas foi você que se afastou de mim, Scully!” “Eu sinto muito. Eu estava viajando a serviço.” “E antes disso?” “Antes disso você estava em coma! E antes de você entrar em coma você estava usando drogas, sem se importar com nada, e com ninguém! Então não venha me dizer agora que eu não me importo com você! Seu egoísta, paranóico!” Scully disse cada palavra batendo com a mão na mesa, com força. Como ele podia querer exigir qualquer coisa dela? Como ele ousava querer que sua vida deixasse de existir cada vez que ele fechasse os olhos? Ela ainda tinha muito a dizer, mas Mulder não queria mais escutá- la. Deixou o escritório rapidamente, e ainda ouviu a voz dela, mas não entendeu o que dizia. Talvez ela estivesse certa. Não, ela estava certa. Ele não queria ter tido aquela discussão. Não quis acusá-la de nada. Ela, na verdade, não tinha qualquer obrigação em relação a ele. Mulder foi para casa, de táxi. Não se sentia bem o suficiente para dirigir. Ao chegar, o telefone tocava insistentemente. “Mulder.” “Mulder, sou eu. Escute, antes que você desligue esse maldito telefone, eu preciso conversar com você.” “Acho melhor a gente parar, antes que a gente acabe dizendo mais coisas que não queremos. ” “Não, Mulder, antes que a gente acabe ouvindo coisas que não queremos.” “Ok, então concordamos que é melhor a gente não falar mais nada.” “Mulder, por favor, você me deve isso.” Ela se arrependeu de usar exatamente essas palavras, mas parecia ser o único meio para conseguir conversar com ele. Apelar para a ligação que tinham tido por tanto tempo. Aparentemente, havia funcionado. “Você vem aqui? Estou sem carro.” “Já estou chegando.” Xxxxxxx Scully não estava brincando quando disse que já estava chegando. Em menos de dez minutos Mulder ouviu a batida na porta, a qual ele não demorou a abrir. “Entre, Scully. Eu diria prá você desculpar a bagunça, mas acho que você conseguiu transformar esse apartamento em um local habitável.” “Manter um apartamento vazio arrumado é fácil.” “Porque fez isso?” “Porque eu tinha esperança de que você voltaria, Mulder. Eu sinto muito que eu não estivesse lá quando você acordou.” “Você tinha razão, nós somente trabalhamos juntos. Você não é obrigada a estar o tempo todo ao meu lado.” “Mulder! Eu nunca disse isso!” “Mas é verdade.” “Então tudo isso é porque você acha que eu te vejo somente como um simples colega de trabalho? Não é verdade, Mulder. Nós passamos por coisas demais juntos, perdemos muito, sempre juntos. Até nossa vida particular se mistura com nosso trabalho. Você sabe disso.” “Eu acho que sabia. Antes. Mas depois de tudo o que houve, depois de ter agredido você, gritado com você, eu achei que você tinha finalmente se cansado e ido embora.” “Naquele dia, que você e eu discutimos, eu realmente tinha decidido ir embora, deixar que você se virasse sozinho, mas eu percebi que estaria fazendo exatamente o que você queria. Você queria me afastar de você. Não é?” “Eu só não queria te magoar ainda mais.” “É, Mulder, eu imaginei isso, por isso voltei ao apartamento. E você estava, praticamente, morto.” “É, Skinner tem mesmo um soco forte.” “Como é?” “Nada, deixa prá lá. Não sabia que você tinha voltado ao apartamento, e quando acordei achei que você não queria falar comigo.” “Já briguei com Skinner por causa disso. Ele não tinha o direito de não me falar nada.” “Ótimo, me sinto vingado, então. Scully, eu te vi no elevador.” “Quando?” “Hoje de manhã. Você entrou apressada no elevador, mas não me viu.” Ela sorriu. Lembrava-se de ter entrado, apertado o botão, mas estava tão nervosa que não olhou ao redor. “Não vi mesmo. Estava indo ver Skinner, ele havia me deixado um recado, para falar com ele. Eu estava com uma sensação estranha de que havia algo errado. Mas não há nada errado agora, não é?” “Não, acho que não. Está tudo bem, agora. Você quer voltar a trabalhar comigo, Scully?” “Quero, Mulder, você sabe disso.” “Acha que Skinner vai permitir?” “Acho que ele não vai querer ficar brigando com nós dois ao mesmo tempo.” “É, acho que ele já brigou demais.” “O que você quis dizer com o soco forte dele, Mulder?” “Eu disse umas coisas pra ele, e ele reagiu. Nada demais.” “Prá ele te dar um soco, eu nem quero saber o que você disse prá ele.” “Não, não queira saber.” xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxx Fim.